Clive Coates vê Bourgogne tradicional sob ameaça

Em 27 de outubro, uma notícia que já vinha circulando há alguns dias por Morey Saint-Denis e Gevrey-Chambertin se confirmou: o bilionário francês François Pinault, dono da Christie´s e de um conglomerado de empresas, ampliou seus tentáculos no mundo do vinho, onde já é dono do Château Latour em Bordeaux e do Domanie Eugénie em Vosne-Romanée. Por € 250 milhões, comprou o maior monopólio grand cru da região, o Clos de Tart, com 7,53 hectares, um recorde histórico no mundo. Para ter uma ideia, no Norte do Paraná, famoso pela qualidade da terra roxa, um alqueire (2,42 hectares) sai até por R$ 80 mil. Na Bourgogne, um alqueire sai por 80 milhões de euros ou R$ 320 milhões de reais, quatro mil vezes mais.

O custo da terra na região vem subindo exponencialmente: em 2015, o Domaine Faiveley tinha comprado 0,01 hectares de Musigny, uma área capaz de produzir 500 garrafas, por uma quantia não revelada, mas estimada em € 6 milhões. Do lado da demanda, ela tem sido impulsionada por chineses, russos, brasileiros. O futuro dos domaines familiares e artesanais está sob ameaça? “Com esses preços, está”, diz Clive Coates, uma das maiores referências na região. “Quem senão um milionário pode ser produtor de vinhos?”

A lógica de preços é perversa. Na França, a taxa de transmissão dos vinhedos é de cerca de 30% entre um pai e um filho e mais alta se o parentesco for mais distante, o que força a geração mais nova que assume a vinícola a se endividar ou vender parte dos vinhedos. A França aplica uma lei sobre riqueza, uma alta dos preços das terras infla o dinheiro dos proprietários e o imposto que eles têm de pagar sobre os imóveis. Os produtores que exploram e detêm as vinhas estão isentos das taxas, mas os irmãos, irmãs e primos (que também tiverem participação) têm de pagar. Para ajudar o resto da família a pagar esse imposto, o produtor tem de ir atrás de dividendos mais elevados, o que leva a reajuste no preço das garrafas. Em paralelo, quem não fica na linha de frente dos vinhedos, mas tem participação no Domaine, fica mais inclinado a vender sua parcela, de olho na rentabilidade da terra.

Sua paixão pela região se despertou logo no início da década de 1960, quando ainda trabalhando com a comercialização de vinhos franceses, teve o prazer de degustar a safra 1959, uma das maiores da história. Para ele, a tendência é de que grandes negociantes, como Faiveley, Bouchard, Drouhin fiquem ainda maiores e dividam espaço com bilionários franceses. “Estrangeiros como russos e chineses também poderão assumir participações em domaines”, observa. Recentemente, em Chassagne-Montrachet, indianos assumiram posição em algumas parcelas de Vincent Girardin vizinhas às cuidadas pelos Ramonets.

Nas últimas duas décadas, a demanda pelos vinhos da Côte d´Or tem subido a cada ano, enquanto as safras têm sofrido com intempéries. Em 2016, vários produtores de Gevrey-Chambertin a Chassagne-Montrachet perderam mais de 50% da colheita em alguns vinhedos. O que já está complicado ficará ainda mais, em sua visão.  “Hoje é preciso ser rico para beber os grandes Bourgognes, mas os preços de hoje parecerão baixos daqui a dez anos, é só olhar para o que aconteceu com os Bordeaux de 1961.”

Coates viu de perto o que ocorreu com a safra 1961 de Bordeaux, desde o início considerada uma das grandes da história, ao lado de 1945, 1955 e 1959. Em seu lançamento, os preços ainda eram uma fração do que são hoje. Quando chegaram aos compradores em Nova York, em 1964, Latour, Margaux, Lafite-Rothschild and Mouton-Rothschild podiam ser comprados a US$ 10. Quase duas décadas depois, em 1982, quando Robert Parker iniciou sua influência sobre a oferta e demanda, uma caixa de 12 garrafas de Chateau Lafite-Rothschild 1961 foi vendida em leilão por $2.800, ou US$ 230 por garrafa. A escalada sofreu uma nova inflexão na década de 2000, quando a demanda explodiu e trouxe compradores de vários países emergentes. Hoje uma caixa pode sair mais de US$ 36 mil, mais de US$ 3 mil por garrafa.

Outra mudança tem sido vista nos restaurantes, onde é cada vez mais difícil, particularmente na França, escolher safras antigas de vinhos, sejam eles de Bordeaux, sejam eles da Bourgogne. O futuro também não é promissor. “Safras antigas acabaram, os vinhos foram todos bebidos. Ninguém consegue financiar o custo de manter os vinhos por longos anos na adega até que estejam envelhecidos.”

Nesse cenário, a dica é ir atrás de regiões menos reputadas e famosas, como a Côte Chalonnaise e alguns vinhedos menos conhecidos da CÔte de Beaune. “Há muitos esplêndidos custos-benefócios e os vinhos estão ficando cada vez melhores”, diz ele, que mantém atualizações mensais de seu site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close
INSTAGRAM
Latest Travel Blog
Close

Pisando em Uvas

Explore o universo do Vinho

© 2019 Pisando Em Uvas. Desenvolvido por DForte
Close