Bourgogne: Terroir e Personalidade!

Por Gerson Lopes

Terroir e personalidade são duas palavras inseridas ao DNA dos vinhos da Borgonha. É fato que os melhores vinhos são aqueles que bebemos em boa companhia. Saborear inéditos, famosos e raros Borgonhas com amigos é tudo de bom, né? Vou falar destes dois encontros memoráveis. “Dois momentos para entrar para a nossa história” ou “duas outras lembranças para levar!”, disse de maneira sábia um dos confrades e responsável por um dos encontros.

“O trio de ouro da Borgonha: Domaine de la Romanée-Conti (DRC), Leroy e Rousseau” foi o lema de nosso primeiro encontro. Acredito que ninguém discordaria que estes três domaines – Romanée-Conti, Leroy e Armand Rousseau – constituem o trio de ouro entre os produtores da região. Sem dúvida, é quase um sonho poder provar vinhos de um destes produtores em uma safra histórica: 1978 – “Millésime du siècle”; 1953 – “Excellent millésime” e um deles de 1993 – “Bon millésime”. O prazer é incomensurável, ou como diriam os franceses, inoubliable!!!

Foram seis tesouros líquidos, três da safra mítica, a ‘78 – Leroy Chambolle-Musigny, DRC La Tâche e o DRC Romanée-Saint-Vivant; dois da ‘53 – Leroy Richebourg e DRC La Tâche e um ’93 de Armand Rousseau Chambertin.

Faltaram palavras capazes de precisar as sensações que alguns destes vinhos despertaram. Não me preocupei muito em descrevê-los e sim senti-los. Concordo com Aubert de Villaine, proprietário do DRC, que certa vez disse: “Não fico surpreso que as pessoas não identifiquem estes aromas todos nos vinhos que compram. Eu mesmo não sou capaz de reconhecê-los. Aliás, acho muito aborrecido. Não estou interessado nisso, e sim na personalidade do vinho.” E estes tinham uma baita personalidade!

A prova foi às cegas e na preferência por unanimidade ganhou o  Domaine Leroy Richebourg 1953. Que beleza de garrafa e chama-nos a atenção não ser 750 e sim 730 ml. Estávamos diante de um Grand Cru (GC) de “tirar o fôlego”, perfumado, profundo, intenso, ao mesmo tempo, elegante e de uma pureza ímpar. Um dos melhores em minha linha de vida. Cheguei à conclusão de que em provas em que há algum grande vinho do Domaine Leroy há grande chance de ele ter a primazia. O poder de sedução no caso de Leroy é universal. Até o pai da enologia moderna, Émile Peynaud, ao participar de uma degustação com vinhos da Madame Lalou-Bize Leroy, disse que “um grande sonho seu estava sendo realizado e que ficaria na memória para sempre”. Imagine que estamos falando de vinhos dos sonhos de um dos nomes mais importantes na história da bebida de Baco, que foi Peynaud.

A seguir na preferência ganhou o DRC La Tâche 1978 (RP 98/100), vinhedo GC monopole deste domaine. Veja o que disse Neal Martin, na época ainda na equipe de Parker ao prová-lo: “O La Tâche Grand Cru de 78 eu sempre quis provar, porém seu preço estratosférico vinha me proibindo de fazê-lo. Graças à generosidade do meu anfitrião, em vez de ganhar na loteria, consegui prová-lo. Minhas expectativas eram compreensivelmente altas, dada a reputação, mas não fiquei desapontado, porque ela correspondeu a tudo que esperava”. Faço de suas palavras as minhas, porém tive mais sorte que ele, pois amigos dadivosos me possibilitaram bebê-lo por três vezes. Elegância, vigor, tensão e ao mesmo tempo aveludado, poder e cremosidade. Um vinho perfeito, se a perfeição fosse possível.

O DRC La Tâche GC 1953 (RP 96/100), que já tinha provado em outra ocasião, se mostrou também delicioso, porém a meu ver em um patamar inferior ao 78. Tinha um toque de ervas e especiarias exóticas ao nariz. Sobre o DRC Romanée-Saint-Vivant GC 1978 (RP 94/100), que também tive o prazer de tê-lo degustado em outra oportunidade e gostado imensamente, eu esperava bem mais dele, pois o meu querido amigo e mestre Nelson Pereira o coloca como um de seus melhores caldos que provou até hoje. Segundo Nelson, trata-se de “um tinto de sonhos para ser colocado na prateleira dos grandes tintos de Vosne na história”. É o que ele sempre diz “em vinhos velhos não há grandes vinhos, há grandes garrafas”. Esta não estava ruim, mas não era aquela que contava a melhor história de vida.

Ainda tinha vida e estava gostoso, porém sem encantar o Leroy Chambolle-Musigny 1978, comunal/village. Porém, raro e caro, afinal estamos falando de um vinho em safra histórica que tem as mãos da maior referência em Borgonha, que é Madame Lalou. O Rousseau Chambertin GC 1993 (RP 96/100) expressava lindamente o seu terroir, em seu estilo mais potente, porém refinado. Ao prová-lo, a famosa crítica inglesa Jancis Robinson o pontuou com 19,5 em 20 possíveis em sua escala. “Superb. Uma ampla gama de aromas outonais foi seguida por frutas ricas e intensas, um pouco de sabor leve, mas no geral lindamente refrescante no final. Completamente completo. Grande vitalidade.” É bom lembrar que a safra na Borgonha em 1993, possibilitou vinhos muito estruturados, de grande guarda e qualidade de 4 estrelas em 5 possíveis.

Agora vamos ao segundo encontro sobre a Borgonha, com uma prova horizontal intitulada de “Domaine de la Romanée-Conti e quatro de suas estrelas em 88”. Segundo Parker, “os vinhos DRC de 1988 são mais encorpados, profundos e mais concentrados do que os soberbos de 1987, e precisarão de algum tempo na adega para deixar suas generosas quantidades de taninos. Há mais profundidade nos anos de 1988 do que nos anos de 1986”. O que vamos buscar nesta rodada? Com certeza, a personalidade em cada um dos vinhos DRC 88 em quatro de seus terroir – La Tâche, Richebourg, Romanée-Saint-Vivant e Échézeaux.

“Milagre da feminilidade e delicadeza, o DRC Romanée-Saint-Vivant tem esse desejo de seduzir que não podemos resistir “, diz J Bazin. E ainda o site da empresa complementa: “Romanée-Saint-Vivant é um sedutor: só podemos amá-lo. Por trás da graciosidade, expressa um poder tão perfeitamente equilibrado que não é observado à primeira vista”.  Talvez não tenhamos tido o olhar adequado, pois o DRC Romanée-Saint-Vivant GC 1988 não foi tão sedutor assim pois foi o último no quesito preferência, mesmo tendo nota muito alta (19/20) de Clive Coates (CC), um dos críticos mais respeitados sobre Borgonha. Prova às cegas sempre nos surpreende, pois, o menos pontuado por ele (CC 17,5/20) – o DRC Échézeaux GC 1988, por unanimidade ganhou a preferência. Como no climat Romanée-Saint-Vivant, DRC tem o melhor vinho e é o maior proprietário de vinhedos Échézeaux. O vinho mostrava claramente o que é dito a respeito deste vinho no site do DRC: “…uma ternura sedutora veste um esqueleto de aço que lhe permite evoluir com elegância”. Este sim, seduziu com suas especiarias exóticas e orientais, e ao paladar pela grande expressividade e estrutura que ainda lhe permite evoluir por muitos anos mais.

Fico feliz, quando vejo que minha avaliação é a mesma do sommelier e jornalista de vinho do RJ, Marcelo Copello, pela segunda vez (leia artigo sobre http://pisandoemuvas.com/2019/09/17/amaveis-vinhos-velhos/), ao participar de uma vertical de Echezeaux do DRC ( fevereiro de 2017), onde o 1988 foi um de seus 10 melhores, dando-lhe 98 pontos, a mesma nota que daria (e não os 92 pontos de Parker). O DRC Richebourg GC 1988 (CC 19,5/20) ficou em segundo lugar na preferência e mostrava tudo que se esperava dele, potência, encorpado, taninos firmes, e aromas terciários de trufa e couro. A seguir, o DRC La Tâche GC 1988, que ficou em terceiro na preferência mesmo tendo obtido a nota máxima de Clive Coates (20/20). Parecia um pouco contido no nariz, e na boca se mostrava um pouco magro, sem o corpo poderoso e elegância esperada de um La Tâche, porém um belo vinho.

Provavelmente estes vinhos DRC tivessem muito mais coisa para nos falar se tivéssemos a paciência necessária para escutá-los e aí, com certeza, iríamos descobrir a personalidade de cada um deles.

Às cegas, os erros foram maiores que os acertos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close
INSTAGRAM
Latest Travel Blog
Close

Pisando em Uvas

Explore o universo do Vinho

© 2019 Pisando Em Uvas. Desenvolvido por DForte
Close