William Kelley, a nova voz de Bourgogne da Wine Advocate

Por longos anos, muitos consideraram que a Wine Advocate, de Robert Parker, não rimava com Bourgogne. Apaixonado por Rhône e o paladar mais fino para Bordeaux, Parker era visto com desconfiança por muitos adoradores da região dos mais famosos Pinots Noirs e Chardonnays do mundo. No início do ano, Neal Martin deixou a publicação e foi para a Vinous, a empresa que agora detém a Wine Advocate (Parker enfrenta problemas no quadril desde uma cirurgia há alguns anos) contratou William Kelley para falar de Bourgogne. Os primeiros textos e a lendária degustação que uniu Keller, um dos mais reputados produtores alemães, e Coche-Dury, em fevereiro mostram que agora a Wine Advocate rima e muito com Bourgogne. Com um vasto conhecimento e amor pela Bourgogne, Kelley começou com o pé direito: uma degustação de Ramonet. A seguir os principais trechos da entrevista:

PISANDO EM UVAS: Em outubro, o Clos de Tart, com 7,5 hectares, foi vendido por 250 milhões de euros, um recorde. O custo da terra tem subido com vigor, os impostos sobre herança tiram 30% da família dos produtores. O futuro da Bourgogne artesanal está sob ameaça?

WILLIAM KELLEY: É uma pergunta fascinante que apenas historiadores poderão dar uma resposta. Por ora, parece que a Bourgogne artesanal tem se mostrado surpreendentemente resistente: os novos proprietários dos cobiçados terroirs estão tendendo a firmar contratos de fermage para sérios e reputados domaines: Ramonet, Dujac, Mortet e Rousseau estão trabalhando em vinhedos cuja propriedade são bilionários investidores. Enquanto propriedades têm mudado de mãos, mudanças na superfície não são tão evidentes. Quando François Pinault assumiu o Domaine Engel e tentou reinventar a roda, não deu certo – o que vai acontecer com os vinhos do Domaine Eugenie, novo nome da propriedade? -, isso serviu como um aviso sobre o que pode ocorrer quando se sacode a terra. Eu, no entanto, me preocupo com os Domaines que estão com alto endividamento bancário ou estão em débito com investidores de fora, porque será difícil que eles resistam à pressão de aumentar rendimentos e o número de garrafas para colocá-las à venda o quanto antes. Se olharmos com um prisma histórico, as mudanças de hoje representam uma reviravolta em relação ao processo de nacionalização de terra da nobreza e da Igreja durante a Revolução Francesa. No lugar da nobreza, nós temos investidores bilionários, no lugar da Igreja, grandes corporações francesas e empresas de seguros.

PISANDO EM UVAS: Qual foi o vinho que fez você se apaixonar pela Bourgogne?

WILLIAM KELLEY: Minha resposta é bem diferente da maioria: eu bebi meu primeiro grande Bourgogne quando eu tinha 17 anos, era de um negociante obscuro que nem existe mais: Le Chambertin 1969 de Louis Lesanglier. Era fantástico : expansivo, gourmand, taninos sedosos, terminando com o que se chama de cauda de pavão. E era um rótulo chamado sem dimensões extras como de outros, um rótulo que pertencia a Jaboulet-Vercherre, que era famoso por produzir vinhos sólidos sem camadas extras, “adaptado” ao paladar, mas aquele Chambertin 69 tinha gosto de Pinot Noir para mim, de puro Pinot. Em brancos, um Puligny-Montracher 1er Cru Les Pucelles 1982 do Domaine Leflaive, principal garrafa da minha adega dos tempos da faculdade em Oxford, foi outra paixão decisiva.

PISANDO EM UVAS: Qual dica o senhor dá para quem quer começar a beber bourgogne e não quer gastar muito dinheiro?

WILLIAM KELLEY: Se você começa do zero, eu diria para começar a tentar dominar Chablis. Mesmo os vinhos mais caros e procurados da região, como os de Raveneau e Dauvissat, ainda são muito mais baratos que outras regiões. E se pode beber e se aventurar por uma ampla apelação com vários produtores. A Côte d’Or (onde ficam os principais vinhedos de brancos e tintos, como Puligny, Chassagne, Meursault, Beaune, Vosne-Romanée e Gevrey Chambertin) é, honestamente, bem complicada: nos mercados internacionais, mesmo as comunas meno9s conhecidas feitas pelos produtores mais famosas estão muito caras. E há muito valor ainda a ser encontrado em por exemplo Auxey-Duresses, com um bolso muito menor do que é preciso para comprar um grande Chambolle, Gevrey ou Volnay. Chablis é também muito complexo em termos de topografia, então há muitas nuances a serem compreendidas.

PISANDO EM UVAS: Quem são as cinco futuras estrelas da Bourgogne em sua opinião?

WILLIAM KELLEY : Sébastien Caillat do Domaine Lamy-Caillat em Chassagne-Montrachet e Pierre Duroché, do Domaine Duroché, em Gevrey-Chambertin, são duas estrelas em ascensão. Mas há muitos bons produtores que têm feito bons vinhos e estão fora do radar, eu destacaria Philippe Jouan do Domaine Henri Jouan em Morey-Saint-Denis, Cyril Audoin do Domaine Charles Audoin em Marsannay e Thierry Glantenay em Volnay. Você vai poder saber mais deles e de outros produtores na The Wine Advocate.

PISANDO EM UVAS: O aquecimento global terá impacto sobre a região?

WILLIAM KELLEY: Historicamente, as grandes safras da Bourgogne estão entre as mais quentes. Hoje, os 1947 abertos estão fantásticos ainda e os 1976 estão bebendo muito bem: as duas mais quentes safras desde 2003. Mas é claro, no entanto, que o atual clima apreseta desafios: como florescimento precoce aumenta o risco de vulnerabilidade à geada, enquanto um período de crescimento mais curto pode ter impacto sobre o desenvolvimento de sabores nas uvas. Até agora não tenho visto nada que os produtores responsáveis não conseguissem se adaptar e não estou muito preocupado. O que se vê mais – e isso é ótimo para os consumidores – é ótimos vinhos sendo produzidos em terroirs mais frios, como Saint Aubin,l que em anos anteriores tinha dificuldade para atingir maturidade das uvas.

PISANDO EM UVAS : No fim de fevereiro, você participou de uma degustação histórica em Beaune que reuniu Coche-Dury e Keller, o que muitos julgam o melhor do vinho branco francês com o melhor do alemão. Como foi essa ideia?

WILLIAM KELLEY : O encontro foi organizado por amigos, não posso ter crédito, apenas me sentir privilegiado e feliz por ter sido convidado. Foi a primeira vez que a família Coche e a família Keller se reuniram e foi especial. Me senti um privilegiado por ver eles falando de vinhos, vinhedos, viticultura, comparando e contrastando os desafios que eles enfrentam e as ferramentas que eles têm em mãos em cada um de seus terroirs. As opiniões e as reflexões estarão no artigo que eu publicarei em breve na The Wine Advocate. Mas eu vou dizer uma coisa: os Cortons 1999 e 2004 do Coche são muito subavaliados em relação à qualidade deles. Todos os vinhos do Keller são estupendos, ainda bem que eu tenho alguns na minha adega.

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