Por Gerson Lopes
Depois dos supertoscanos, foi a vez de colocar em prova as duas margens do rio Gironde. Fizemos duas rodadas de degustação de Bordeaux de 1990, onde o objetivo era o de (re) aprender mais sobre Bordeaux “viajando” em suas principais sub-regiões da margem esquerda e direita saboreando grandes clássicos de uma das maiores safras de todos os tempos.
O bom Bordeaux, ao contrário de seus similares no Novo Mundo, não se mostra de “cara”, tipo “cheguei”; ao contrário, com seus anos de guarda, vai mostrando características das mais desejadas em um grande vinho, com uma sutileza ímpar.
A oportunidade de degustar às cegas Bordeaux tops das sub-regiões mais importantes, observando as características de cada uma delas na tentativa de descobrir qual é o vinho, é algo muito prazeroso. Ainda mais quando vêm de uma safra mítica. Vale dizer que 1990 é considerada a primeira safra moderna de Bordeaux, onde, infelizmente, o avanço da tecnologia fez com que o trabalho na adega falasse mais que o da terra. O resultado foi de uma certa uniformidade nos produtos. Ainda que fantásticos, observam-se dificuldades de perceber as nuances específicas dos vinhos de cada sub-região. Isso aconteceu na degustação apesar da grande experiência de muitos confrades, particularmente sobre Bordeaux. Graças a Deus, as diferenças existem ainda, mesmo que na era moderna de Bordeaux não sejam tão exuberantes quanto outrora.
A primeira bateria foi apenas de Médoc com quatro vinhos Château Montrose 1990 (St. Estephe); Château Lafite Rothschild 1990 (Pauillac); Château Margaux 1990 (Margaux); Château Gruaud Larose 1990 (St. Julien).
O acerto às cegas da sub-região/ vinho teve mais desacertos do que era esperado pelos confrades, pelo fato desses vinhos terem sido provados por eles inúmeras vezes. Quase por unanimidade ganhou em preferência o Montrose (RP 100/100), a perfeição na forma líquida. Já o provei várias vezes e em todas ele se mostrou magnífico! Tradicionalmente,os vinhos dessa sub-região são vigorosos, que podem se tornar respeitáveis sem contudo perder o vigor. Como dissemos anteriormente, a tendência geral para produzir Bordeaux tinto com o mesmo modelo (ousados e acessíveis mais cedo) tem tido o efeito de tornar quase imperceptíveis algumas diferenças entre St-Estèphe e os vinhos de outras comunas.
O Château Margaux, outro 100 pontos Parker, se mostrou hiper cansado. De imediato imaginamos ser um problema da garrafa (armazenamento), tanto que o confrade que organizou a prova serviu no final outra que estava fenomenal, estupenda. As tão propaladas finesse e elegância não existiam no vinho colocado às cegas, o que só foi evidenciado na segunda garrafa.
O considerado “Primeiro dos primeiros crus classes” – Château Lafite (RP 96/100) -, cuja delicadeza e capacidade para envelhecer são lendárias, não estava (ainda) em seu auge. Não mostrava aqueles “aromas explosivos” da fruta de Pauillac que Parker observou quando o provou em 2009. Buquê bem sutil, complexo e talvez pedisse mais paciência de adega para se mostrar verdadeiramente a sua elegância.
Château Gruaud Larose (RP 94/100) encantou muitos dos presentes sendo inclusive considerado um dos melhores da noite. Interessante que em qualquer safra antiga e apresentado às cegas o Gruaud Larose surpreende positivamente, “batendo cabeça” pela pole position. Sem dúvida, majestoso e evolui como poucos. O equilíbrio do conjunto – fruta, álcool, acidez e taninos – é fora de série. Belo representante de Saint Julien. Bom ao nariz e melhor ainda no paladar. Tem ainda, grande potencial de guarda, como os outros.
Em linhas gerais tivemos nesta primeira bateria aromas e sabores de cassis, especiarias, tabaco, cedro, grafite, chocolate, além de terrosos (terra ou pedra). Na bateria que seguiu os vinhos da margem direita – St. Emilion e Pomerol – acrescentaram ao nariz e paladar uma plêiade de frutas vermelhas maduras (particularmente, ameixas), na dose certa, nunca aquela compota em excesso, bem envelopadas pelo restante do conjunto dos elementos. O solo árido de areia e cascalho aporta uma característica ímpar aos vinhos de Pessac-Léognan e Graves, os de serem levemente terrosos. Lembrar que Pessac-Léognan é o nome moderno para o coração de Graves.
Château Haut Brion 1990 (Pessac-Léognan); Château Angélus 1990 (St. Emilion) e Château Clinet 1990 (Pomerol) foram os três vinhos da bateria. Interessante dizer que os vinhos da margem direita se mostraram mais jovens em cor, aromas e sabores que todos os demais.
Ao provar o Château Haut Brion 1990 (RP 98/100) não tem como deixar de sentir saudades do 1989, muito mais majestoso. Este (90) é um grande vinho, mas talvez esta não seja a melhor garrafa. Não foi difícil descobrir, principalmente por exclusão, qual era o Haut Brion, porém antes de prová-lo acreditava que teria a preferência e acabou como sendo o último neste quesito.
O campeão em preferência da rodada foi o Château Angelus 1990 (RP 99/100). Uma mescla de 60% de Merlot e 40% de Cabernet Franc. “Este é claramente o maior Angelus até os 2000, 2003 e depois o perfeito 2005”, colocou Parker. Cor e aromas intensos quase de juventude em seus 29 anos de idade.
Ao paladar, cremoso com sabor de ameixa. Belo vinho agora, porém gostaria de bebê-lo nos próximos 10-15 anos.
A expectativa de um Pomerol aveludado e rico em notas de ameixa se concretizou ao provar o Château Clinet 1990 (RP 97/100). Mostrava também ao nariz, flores (violeta, acácia), cacau e algo doce na boca Feito por Jean-Michel Arcaute, famoso enólogo que mais tarde faleceu de acidente náutico. Tive a honra de conhecê-lo no saudoso evento internacional de vinhos em Domingo Martins/Espírito Santo.
Gerson Lopes – criador da Wine & Joy em Belo Horizonte/MG.