No mundo musical, La La La pode ser cantada no chuveiro acompanhando de Beatles a Simon Garfunkel, no universo de Baco ele está relacionado a um terroir, a um produtor e a três vinhedos míticos. Em 1961, aos 17 anos, Marcel Guigal assumiu por conta da cegueira repentina e inesperada de seu pai, Etienne, o comando da propriedade familiar, nascida em 1946.
Assumiu a direção com um propósito: extrair a excelência no chamado Rhône-Norte, onde a syrah encontra seu verdadeiro terroir em sub-solo granítico. Nas encostas escarpadas da Côte-Rôtie, sua primeira expressão de um Syrah profundo e de extrema delicadeza. A Borgonha do Rhône, em contraposição ao mais potente Hermitage. Guigal ou Chave? Os dois.
A primeira aquisição foi uma parcela de um hectare de vinhedos monopole, ou seja, exclusividade da família: La Mouline, um histórico terroir do Rhône, cuja história remonta mais de dois milênios. Etienne vinificou pela primeira vez seu primeiro La em 1966, vinhedo único da Côte Blonde, cujas vinhas datam de 1893, uma das primeiras plantações pós-filoxera na Côte-Rôtie. Recebe a maior percentagem de Viognier, 11%, sendo o restante de syrah, tratamento de 42 meses de madeira.
Quando soube que seria pai Marcel, resolveu plantar vinhedos em La Ladonne, em homenagem ao herdeiro: Philippe nasceu em janeiro de 1975, mesmo mês em que as primeiras videiras do segundo La foram plantadas em uma terra que havia três décadas não produzia uvas. É o único não monopólio da casa, o único vinhedo classificado oficialmente e o único que recebe 100% Syrah, com tratamento de 42 meses de madeira. A primeira safra fermentada pelos Guigal foi a de 1978.
Em 1985, completou-se a trilogia: com a aquisição de La Turque dos Vidal-Fleury. Também da Côte Brune, como o La Landonne, esse vinhedo recebe 7% de viognier e também tratamento de 42 meses de madeira.
Em pouco tempo, os vinhos atraíram a atenção de Robert Parker, que ganhou status na safra 1982 em Bordeaux, mas cujo coração bate mais forte pelo Rhône. Depois de beber algumas safras da trilogia, sentenciou em sua Wine Advocate: não há nenhum enólogo na Terra que tenha produzido tantos vinhos atraentes, independentemente das condições da colheita, como Marcel Guigal”.
Cabe destacar que as condições de produção têm suas particularidades: Neste terroir, as inclinações de terreno pode chegar a 60° graus em sub-solo granítico e solos metamórficos de micaxistos. A chamada Côte Brune possui óxido de ferro em sua composição, tornando os vinhos mais escuros e viris. Já a chamada Côte Blonde, apresenta um perfil mais calcário, dando elegância aos vinhos.
La Mouline é o mais elegante e delicado, La Landonne, o mais possante e estruturado, La Turque, a conjunção da elegância e a potência. São vinhos grandiosos. Um privilégio poder participar de uma degustação com os 3 sobre a mesa: La Turque 2005 tem tudo que um vinho pode querer; o La Mouline 2010, a delicadeza e a elegância e que ganhará muito em cinco anos; La Landonne 2011 mostra toda a pujança e a exuberância da syrah tratada com esmero. O vencedor? Os participantes.
Assim como Hollywood tem ampliado suas trilogias, os Guigal também seguem o caminho: em 2021, anunciaram a aquisição de um vinhedo a que chamaram de La Reynarde, como o riacho que corre entre Côte Brune e Côte Blonde. (O lugar foi tornado feminino e batizado ‘La Reynarde’ para permanecer dentro da família de vinhedos únicos Côte-Rôties comumente conhecidos como ‘os LaLas’”. As uvas virão de um terreno em Fongeant, entre vinhedos de Jean-Paul Jamet e Jean-Luc Jamet. A primeira safra, de 2022, chegará ao mercado em 2026. La Reynarde é uma homenagem aos filhos gêmeos de Philippe Guigal, Charles et Etienne. Eles nasceram em 2010, mesmo ano em que o terreno foi liberado para plantio.
Que a família Guigal continue crescendo e vinificando com esmero! Baco só pode agradecer.