


Oslavia: Onde o Vinho tem a Cor da Memória
Um minúsculo enclave de colinas, onde a Itália se dissolve imperceptivelmente na Eslovênia, Oslavia é hoje reverenciada como marco zero do renascimento dos vinhos laranjas no Ocidente, que até o fim dos anos 1990 estavam no ostracismo. Mas para entender o líquido âmbar que brilha nas taças dos restaurantes mais sofisticados de Nova York ou Tóquio, é preciso primeiro compreender o silêncio e as cicatrizes dessa terra de fronteira.
A lenda de Oslavia foi forjada, inicialmente, em sangue. Durante a Primeira Guerra Mundial, essas encostas de solo calcário — a famosa “Ponca” — foram palco de batalhas brutais que quase apagaram a aldeia; não restou uma casa, nem uma árvore. O Ossário de Oslavia, que guarda os restos de quase 60.000 soldados, permanece como uma sentinela na paisagem, lembrando aos viticultores locais que a vida ali é uma conquista diária. Essa consciência histórica gerou uma resiliência feroz e uma mentalidade única: o vinho em Oslavia não é entretenimento; é uma afirmação de sobrevivência.
Foi com esse espírito que, nos anos 90, um grupo de visionários decidiu resgatar a história. Enquanto o mercado global exigia brancos tecnológicos, límpidos e frutados, produtores como Joško Gravner, Stanko Radikon e a família Primosic olharam para trás. Eles rejeitaram a química enológica para abraçar a sabedoria de seus avós e as tradições do Cáucaso, resgatando a maceração prolongada para uvas brancas. Eles provaram que um vinho branco poderia ter a alma de um tinto: tanino, textura, turbidez e uma longevidade de décadas. O que a academia chamava de “defeito”, Oslavia transformou em assinatura, criando uma nova categoria global.
No centro dessa revolução, a família Primosic desempenha o papel de guardiã da elegância histórica. A sua saga prova que o “vinho laranja” não é uma invenção recente, mas um retorno. Muito antes da voga atual, Karlo Primosic, bisavô dos atuais gestores, já enviava sua Ribolla Gialla macerada em madeira para a corte imperial em Viena. A família carrega o peso da fundação da região: foi das caves de Silvan Primosic que saiu a histórica “Garrafa Número Um” da DOC Collio.
Hoje, sob a tutela de Marko e Boris, a vinícola reafirma o pacto de sangue de Oslavia com a Ribolla Gialla. Esta uva de casca grossa, difícil e austera, só revela sua verdadeira grandeza quando fermentada com as cascas, extraindo a essência mineral da Ponca. Ao lado de seus vizinhos — cujos sobrenomes misturam o “ic” eslavo e o “er” austríaco — os Primosic ignoram fronteiras políticas para focar na identidade do território. Eles arriscaram tudo para fazer um vinho que acreditavam ser a verdade daquela terra. E o tempo lhes deu razão: Oslavia deixou de ser apenas uma cicatriz de guerra para se tornar um santuário de autenticidade.





