Por Gerson Lopes
Um dos vinhos mais famosos e prestigiados da Itália, os brunellos são feitos exclusivamente a partir de uvas sangiovese cultivadas nas encostas ao redor de Montalcino, ao sul de Siena, cuja corrida de cavalo já sediou uma das cenas iniciais de Daniel Craig na pele de 007. Nesta região, a sangiovese, presente nos chiantis, produz uma variante, ou clone, conhecida como brunello, que no dialeto local pode ser traduzido como “um pouco escuro” ou sangiovese grosso, por ter uma casca mais espessa.
O que representa um brunello de Soldera? Simplesmente, um dos mais procurados vinhos do mundo, cuja pequena produção se esgota rapidamente, tão logo chega ao mercado. Todos os seus lançamentos, independentemente da safra, seja grande ou não, vêm carregados de emoção. Para algumas pessoas “Soldera não é brunello, Soldera é Soldera”; eu diria: “Soldera é Soldera, os outros são brunellos”.
Na visão de um dos maiores experts em vinhos italianos, Antonio Galloni, ex-Wine Advocate (Robert Parker) e criador do site Vinous, “Gianfranco Soldera é sem dúvida, o produtor mais emblemático de Montalcino”. E continua … “no seu melhor, seus brunellos são exemplos monumentais das alturas que a sangiovese pode alcançar em Montalcino”. Galloni se diz impressionado com a cultura de vinho de Soldera e enfatiza o seu profundo conhecimento (“o maior que já vi’) sobre os grandes Barolos e Barbarescos da escola tradicionalista do Piemonte, nutrindo por estes vinhos paixão e dividindo atributos com eles.
Afinal, Soldera é também um tradicionalista. De maneira nenhuma foi seduzido pelos modernistas de Montalcino, que passaram a fazer uso de barrica francesa, com a proposta de deixar o vinho menos tempo em madeira. Soldera manteve a tradição de envelhecer seu brunello por cinco anos (ou mais) em grandes tanques de carvalho eslavônicos e cubas. Biondi-Santi assim fazia em seus anos de glória, quando disputava o trono de Montalcino com Soldera.
Para a rainha do mundo do vinho, a inglesa Jancis Robinson, ao provarmos um brunello de Soldera, “pode-se se ter a certeza de se estar diante de um grande vinho, de estilo tradicional e deslumbrante, muito exótico e magnifico”. Em alguns de seus textos sobre Soldera, ela gosta de referir o quanto este lendário produtor é parecido fisicamente com Luis Pato – “perfeccionista obstinado que não gosta de seguir os outros, como Soldera”. Luis Pato é viticultor da Bairrada e muito conhecido pelos enófilos brasileiros.
Como um ícone, Gianfranco Soldera não tem a mínima preocupação com pontuações de críticos e, dentre suas idiossincrasias, chama a atenção o fato de vender vinhos apenas para quem compartilha de seus princípios e é aprovado por ele. Alguns diriam ser arrogante, mas o que ninguém pode contestar é que de suas mãos nascem grandes vinhos. Sua personalidade é tão forte que, independente da propriedade e vinho serem conhecidos como Case Basse, na maioria das vezes, usa-se o nome de Soldera para seus brunellos.
Ele é famoso pelo cuidado minucioso de seus vinhedos, composto pela vinhas Case Basse com cerca de dois hectares e plantadas em 1972, e Intistieti com cerca de quatro hectares e meio e plantadas em 1973. “Suas vinhas são as mais bem conservadas e melhor cuidadas que já vi”, diz Galloni. Não utiliza pesticidas ou herbicidas, apenas fertilizantes orgânicos. Sabendo que um bom vinho se faz nas vinhas, adota mínimo manuseio na adega, fermentação com leveduras indígenas e como colocado anteriormente, envelhecimento longo em grandes barricas, geralmente em torno de cinco a seis anos.
Os mais famosos vinhos de Soldera são o seu Brunello e o Brunello Riserva. Em alguns anos, seleciona parte de sua produção e a engarrafa com menos um ano de barril e o rotula como “Intistieti”; em 2005, decidiu engarrafar o “Pegasos” (early-maturing barrel), porém, nem sempre é assim. Acho que nem o próprio Soldera entende suas rotulações, pois ao longo de sua história já as mudou várias vezes. O homem é confuso, sim, como quase todos os gênios.
Em uma inédita vertical de brunellos de Soldera – 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2005, tornou-se evidente que seus vinhos adquirem profundidade com o tempo, particularmente quando se compara o mais novo (2005) ao mais velho (1995) da prova em questão. Concentração, equilíbrio, complexidade de aromas e sabores, além de uma estrutura clássica, se mostraram presentes em todos os seus brunellos, em alguns mais, em outros, um pouco menos.
Uma característica dos brunellos de Soldera é o de estarem prontos ainda jovens, porém irão realmente “começar a abrir” cerca de quinze anos aproximadamente, podendo ser saboreados ainda por longos anos. Neste sentido, pode- se afirmar que o Riserva 1995 (o único Instieti) se encontrava no auge de sua sabedoria e mostrava que poderíamos aproveitar de sua evolução nobre por alguns pares de anos. O Riserva 1996 parecia estar ainda na juventude e quem o tiver poderá guardá-lo mais um pouco, pois sua paciência será recompensada. O Riserva 1997 é de “chorar” ou de “tomar ajoelhado”. Como disse Galloni, “absolutamente estelar” e seria um de seus favoritos para consumo atual. Equilíbrio e harmonia perfeitos. Os Riserva 1998 e 2000 não provocaram a mesma emoção positiva que os demais, apesar de mostrarem a riqueza e persistência dos vinhos deste produtor. O 1999, o único que não era Riserva, brilhou com o seu perfume, delicadeza e complexidade. O Riserva 2005, como bem disse uma participante da prova, foi o mais “exibido”da noite. Pode esquecê-lo na adega.
Gostaria de fazer duas observações sobre os brunellos Soldera que foram evidenciadas na vertical. Ao degustá-los, não se deve esperar uma cor muito intensa, especialmente quando novos, porém sua cor tem muita vivacidade, se mostrando portanto totalmente diferente do estilo modernoso (“cheguei”, quase de Novo Mundo). Em Montalcino, a “velha guarda” de viticultores coloca com sabedoria que, se você pode ver uma unha através da taça, então, verdadeiramente é um brunello. A outra observação diz respeito à impressão que temos ao nariz de um brunello Soldera evoluído. Este se mostra muito parecido com um bourgogne de alta estirpe, razão pela qual, muitas vezes, o identificamos como tal em provas às cegas.
“Elegância, equilíbrio, prazer, muitos aromas e longevidade acima de tudo” é o desejo expressado sempre por Soldera quando fala de seus vinhos e enfatiza sempre em entrevistas (raras, diga-se de passagem) que “seus vinhos necessitam de tempo para se desenvolver na taça, tanto quanto na garrafa”. “Posso sentir os meus vinhos dez dias após prová-los”, diz Soldera.
Refletindo muito o que Soldera diz, a vertical que fizemos teve como propósito o exercício da paciência: começamos mais cedo e terminamos mais tarde que em outras provas deste tipo. Foi realmente boa? Deixo a resposta para o meu grande amigo e mestre no mundo do vinho, o sommelier Guilherme Correa, atualmente radicado na boa terrinha e que mesmo ausente na prova se fazia “presente”, pelos seus ensinamentos a todos os confrades e por ter na verdade sido o responsável pelos vinhos estarem entre nós. “Para mim a melhor vertical do planeta, só isso!!!!”
Que ótima leitura!
Tudo o que envolve a “cultura do vinho” é apaixonante.
Parabéns Gérson!!!!
Adorei!!!!!
É muito bom saborear um bom vinho mas ter uma aula maravilhosa como essa é demais!!!!
Obrigada Gérson!!!!
Texto inspirador Gerson, quase me senti na Toscana…e na degustação!
Obrigado Gerson, muito interessante saber um pouco sobre o Soldera. Interessante a maneira como é exposto o assunto, relacionando a história, as características e especificidades do Soldera que só mesmo um bom conhecedor de vinhos pode mostrar.
Parabéns!!!!