Os 70 centavos dos Castanhos

No fim dos anos 1990, o depósito de bebidas que seu Chicão tinha em Belém começou a sofrer uma onda de assaltos. Os ladrões reduziram o estoque e o dinheiro que mantinha a família mingou. Acostumado a vê-lo cozinhar todos os fins de semana, Thiago propôs que seu pai fizesse pizzas para vender para a vizinhança na cozinha de casa mesmo. Seu Chicão acatou a sugestão. Foi até o carro que usava para fazer as entregas, levantou o tapete do carro, onde guardava o dinheiro, e pegou o dinheiro que restava: R$ 0,70. Deu para o filho comprar queijo e presunto no supermercado. Enquanto ele ia às compras, seu Chicão, hoje com problemas na vista, sovava a massa. A primeira pizza levada pelo filho para um amigo chamou a atenção de um vizinho.

Com os R$ 4,5 das duas primeiras vendas, eles começaram a multiplicar os pedidos. Em pouco tempo, alguém sugeriu que ele começasse a fazer sua moqueca. Logo a farinha perdeu espaço e os peixes tomaram o cardápio. Nasceu aí o Remanso do Peixe, o restaurante mais simples dos Castanhos, que em 2011 abriram um segundo endereço na capital paraense: o Remanso do Bosque, que passou por uma recente reforma ampliando a área interna e privilegiando o bar.

Pirarucu defumado, exclusividade do Remanso do Peixe

 

Filho mais velho e mais simples dos Castanhos, o Remanso do Peixe privilegia pescados frescos típicos dos rios amazônicos, com pratos individuais (que em média custam R$ 75) a pratos que servem duas pessoas (que variam entre R$ 120 a R$ 160). Um dos destaques aqui é o pirarucu defumado, o haddock brasileiro, que é feito especialmente para o restaurante por um fornecedor da região de Santarém. Cozido em um molho de caldo de leite de coco, com banana da terra e castanha do Pará, com arroz branco e farofa de castanha, ele surpreende na boca pela textura e pelo sabor. Se soubessem, os vikings teriam vindo para a América do Sul.

O Remanso do Bosque é filho direto de Thiago, onde ele pratica sua cozinha autoral. Nele, o mesmo pirarucu defumado do Remanso do Peixe é usado em uma entrada como recheio do dadinho de tapioca com queijo coalho, em que é duro comer não comer toda a porção de uma vez. A versão de de guioza tem alma paraense: a massa é de jambu, o caldo de tucupi, melaço e shoyo. Duro também não querer repetir a porção. As entradas variam entre R$ 20 a R$ 40.

O clássico do restaurante é o filhote na brasa, acompanhado de salada de feijão manteiguinha e mandioca na manteiga. Um dos melhores peixes do mundo numa das melhores mãos de chefs do país fazem um casamento para durar. Mas a opção dos pratos principais é ampla: o arroz caboclo de frutos do mar e do rio, com caranguejo, peixe, mexilhões e lulas e camarão, servido em panela de ferro, é digno de um poema, forte candidato a um dos melhores já comidos. O arroz de pato com castanha, tucupi e jambu é outro exemplo de como a cozinha paraense é boa: ervas e temperos com sabores pronunciados, carnes de peixes ou aves com gostos marcantes, mas tudo feito de um jeito delicado, em que as partes se somam e não se anulam.

O investimento de 70 centavos dos Castanhos deu muito certo. Sorte de quem tem o privilégio de ir para Belém do Pará.

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