{:br}Por Gerson Lopes
Estamos chegando à época da Páscoa e nada melhor para marcar este acontecimento do que uma inédita vertical do mito português, Barca Velha. E foi pensando assim que um querido amigo nos proporcionou este momento de pura magia.
Para muitos de nós, chamar Portugal de “terrinha” é um jeito afetuoso de se referir à pátria de boa parte de nossos antepassados. Nesse tipo de prova (vertical), escolhemos um mesmo vinho de um determinado produtor, em diferentes safras, de modo a observar o que mudou a cada safra. Uma boa maneira de se ver a influência das safras e a evolução de um vinho, no caso o ícone lusitano, Barca Velha.
Quando o criador do Barca Velha, Fernando Nicolau de Almeida, no final da década de 40 pensou em fazer um vinho tinto de mesa no Douro – onde o Porto dominava -, idealizou produzir um com grande capacidade de envelhecimento. Sonhava produzir um magnífico vinho do Douro com a filosofia de Bordeaux. E de sua aspiração e muita perseverança nasce em 1952 a primeira versão do Barca Velha, sem dúvida, o mais famoso vinho português. Um vinho que tem um livro só dele: “Barca Velha – Histórias de um Vinho”, lançado pela primeira vez em 2004, e reeditado pela Oficina do Livro em 2012. Sua autora Ana Sofia Fonseca diz que ali você encontra “as histórias que fazem a história deste vinho”.
Muitos acreditavam que o mito iria morrer quando as vinhas que produziam o Barca Velha tiveram que mudar de sítio, ainda que no Douro Superior. Saíram da Quinta do Vale Meão e foram para a Quinta da Leda. Mudou-se muita coisa ao longo dos anos, mas o mito não se quebrou. Sábias as palavras de Einstein quando disse que ‘é mais fácil quebrar um átomo que quebrar um mito’. Mudou-se o terroir, assim como mudaram enólogos (três ao longo de sua história) e a casta dominante (Tinta Roriz para Touriga Nacional), mas foi mantida a filosofia de quem o criou; o mito não acabou, pelo contrário, ainda se mostra muito fortalecido.
Ao participar pela terceira vez de uma vertical de Barca Velha, interessava-me tanto quanto saboreá-los devagar, ‘beber’ mais um pouco de sua interessante história. “O meu vinhinho…é sonho engarrafado”, disse certa vez o seu criador Fernando Nicolau de Almeida. Por outro lado, seu “vinhinho” foi um alento para que fossem produzidos outros grandes vinhos durienses que vieram a seguir.
Quando se disse tempos atrás em propaganda do Douro “que nas encostas de Portugal, não se descobrem diamantes, nem petróleo, mas sim ouro puro”, com certeza o Barca Velha é um destes. “O Barca Velha é o epitome, o pináculo muito superior, o símbolo inquestionável da qualidade mais alta dos vinhos do Douro”, assim é descrito este ícone no site da Garrafeira Nacional, tradicional loja de vinhos de Lisboa, diga-se de passagem, excepcional para garimpar tesouros na forma líquida da querida terrinha.
As uvas utilizadas para o Barca Velha são a Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Barroca, e durante muitos anos a predominância se deu com a primeira, tanto que se considerava este ícone lusitano como um hino à Tinta Roriz. Hoje, cada vez mais a Touriga Nacional vem roubando seu espaço.
Até o momento foram produzidos 18 vinhos Barca Velha (BV): quatro na década de 50 (1952, 1953, 1954 e 1957), três na década de 60 (1964, 1965 e 1966), um na década de 70 (1978), quatro na década de 80 (1981, 1982, 1983 e 1985), três na década de 90 (1991, 1995 e 1999) e por enquanto três na primeira década deste milênio (2000, 2004 e 2008). Sessenta e seis anos de história, e apenas 18 safras declaradas como Barca Velha. Ou seja, em cerca de 66 safras possíveis o “Douro Especial” só virou Barca Velha em 18 delas. Este “Douro Especial” mais tarde é que saberá se tem direito a ser Barca Velha ou Reserva Especial (antes Ferreirinha) ou nenhum deles.
E nessa prova vertical provamos a metade delas – 1964, 1978, 1981, 1982, 1985, 1991, 1995, 2000 e 2004, nessa ordem. O campeão em preferência por unanimidade foi o Barca Velha 1964. Com certeza está entre os melhores em minha linha de vida. Isso confirmou todas as cinco vezes que o provei – além das três verticais, em duas outras vezes bateu grandes ícones mundiais, como certa vez, às cegas, o Vega Sicília ’64 e Monfortino ’64. Indescritível! Fabuloso! Majestoso! Passa às cegas como um excepcional Premier Grand Cru Classé de Bordeaux de grande safra.
A seguir, a preferência foi para o Barca Velha 1982, que sempre se saiu bem nas outras provas de que participei. Elegância, equilíbrio e delicadeza. Ambos com potencial de guarda, mas, se tivesse de escolher, eu os tomaria agora. Em terceiro lugar, ficou o Barca Velha 2004, novinho em seus 14 anos de vida. Dá para ver em sua cor e aromas que aqui deve haver a predominância da Touriga Nacional. Belíssimo vinho!
Impressionaram também aos presentes o Barca Velha 1981 (bem mais evoluído que o ’82), o Barca Velha 1991 (pelo seu frescor) e o Barca Velha 1995 (grande fim de boca). Deu a impressão de que a década de 70 não deveria ter tido nenhum BV, pois o seu único representante, o Barca Velha 1978 já mostrava sinais de cansaço. Recentemente o provei e percebi que estava ladeira abaixo. O Barca Velha 1985 por unanimidade foi o pior de todos, e sempre que o degusto fico imaginando se deveria ser realmente um BV. É lógico que, quando se trata de vinhos velhos, há muitas variáveis na avaliação.
Concluindo, diria que diferentemente de outros grandes vinhos do Douro, o Barca Velha, particularmente, os mais antigos, mostram uma elegância e finesse ímpares, que ainda não percebi em outros, mesmo em safras relativamente antigas. Talvez, com mais paciência na guarda destes, possa a vir a ser contestado. E é o que espero, pois adoro os vinhos da boa “terrinha”.
Gerson Lopes – www.gersonlopes.com.br{:}{:fr}Por Gerson Lopes
Estamos chegando à época da Páscoa e nada melhor para marcar este acontecimento do que uma inédita vertical do mito português, Barca Velha. E foi pensando assim que um querido amigo nos proporcionou este momento de pura magia.
Para muitos de nós, chamar Portugal de “terrinha” é um jeito afetuoso de se referir à pátria de boa parte de nossos antepassados. Nesse tipo de prova (vertical), escolhemos um mesmo vinho de um determinado produtor, em diferentes safras, de modo a observar o que mudou a cada safra. Uma boa maneira de se ver a influência das safras e a evolução de um vinho, no caso o ícone lusitano, Barca Velha.
Quando o criador do Barca Velha, Fernando Nicolau de Almeida, no final da década de 40 pensou em fazer um vinho tinto de mesa no Douro – onde o Porto dominava -, idealizou produzir um com grande capacidade de envelhecimento. Sonhava produzir um magnífico vinho do Douro com a filosofia de Bordeaux. E de sua aspiração e muita perseverança nasce em 1952 a primeira versão do Barca Velha, sem dúvida, o mais famoso vinho português. Um vinho que tem um livro só dele: “Barca Velha – Histórias de um Vinho”, lançado pela primeira vez em 2004, e reeditado pela Oficina do Livro em 2012. Sua autora Ana Sofia Fonseca diz que ali você encontra “as histórias que fazem a história deste vinho”.
Muitos acreditavam que o mito iria morrer quando as vinhas que produziam o Barca Velha tiveram que mudar de sítio, ainda que no Douro Superior. Saíram da Quinta do Vale Meão e foram para a Quinta da Leda. Mudou-se muita coisa ao longo dos anos, mas o mito não se quebrou. Sábias as palavras de Einstein quando disse que ‘é mais fácil quebrar um átomo que quebrar um mito’. Mudou-se o terroir, assim como mudaram enólogos (três ao longo de sua história) e a casta dominante (Tinta Roriz para Touriga Nacional), mas foi mantida a filosofia de quem o criou; o mito não acabou, pelo contrário, ainda se mostra muito fortalecido.
Ao participar pela terceira vez de uma vertical de Barca Velha, interessava-me tanto quanto saboreá-los devagar, ‘beber’ mais um pouco de sua interessante história. “O meu vinhinho…é sonho engarrafado”, disse certa vez o seu criador Fernando Nicolau de Almeida. Por outro lado, seu “vinhinho” foi um alento para que fossem produzidos outros grandes vinhos durienses que vieram a seguir.
Quando se disse tempos atrás em propaganda do Douro “que nas encostas de Portugal, não se descobrem diamantes, nem petróleo, mas sim ouro puro”, com certeza o Barca Velha é um destes. “O Barca Velha é o epitome, o pináculo muito superior, o símbolo inquestionável da qualidade mais alta dos vinhos do Douro”, assim é descrito este ícone no site da Garrafeira Nacional, tradicional loja de vinhos de Lisboa, diga-se de passagem, excepcional para garimpar tesouros na forma líquida da querida terrinha.
As uvas utilizadas para o Barca Velha são a Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Barroca, e durante muitos anos a predominância se deu com a primeira, tanto que se considerava este ícone lusitano como um hino à Tinta Roriz. Hoje, cada vez mais a Touriga Nacional vem roubando seu espaço.
Até o momento foram produzidos 18 vinhos Barca Velha (BV): quatro na década de 50 (1952, 1953, 1954 e 1957), três na década de 60 (1964, 1965 e 1966), um na década de 70 (1978), quatro na década de 80 (1981, 1982, 1983 e 1985), três na década de 90 (1991, 1995 e 1999) e por enquanto três na primeira década deste milênio (2000, 2004 e 2008). Sessenta e seis anos de história, e apenas 18 safras declaradas como Barca Velha. Ou seja, em cerca de 66 safras possíveis o “Douro Especial” só virou Barca Velha em 18 delas. Este “Douro Especial” mais tarde é que saberá se tem direito a ser Barca Velha ou Reserva Especial (antes Ferreirinha) ou nenhum deles.
E nessa prova vertical provamos a metade delas – 1964, 1978, 1981, 1982, 1985, 1991, 1995, 2000 e 2004, nessa ordem. O campeão em preferência por unanimidade foi o Barca Velha 1964. Com certeza está entre os melhores em minha linha de vida. Isso confirmou todas as cinco vezes que o provei – além das três verticais, em duas outras vezes bateu grandes ícones mundiais, como certa vez, às cegas, o Vega Sicília ’64 e Monfortino ’64. Indescritível! Fabuloso! Majestoso! Passa às cegas como um excepcional Premier Grand Cru Classé de Bordeaux de grande safra.
A seguir, a preferência foi para o Barca Velha 1982, que sempre se saiu bem nas outras provas de que participei. Elegância, equilíbrio e delicadeza. Ambos com potencial de guarda, mas, se tivesse de escolher, eu os tomaria agora. Em terceiro lugar, ficou o Barca Velha 2004, novinho em seus 14 anos de vida. Dá para ver em sua cor e aromas que aqui deve haver a predominância da Touriga Nacional. Belíssimo vinho!
Impressionaram também aos presentes o Barca Velha 1981 (bem mais evoluído que o ’82), o Barca Velha 1991 (pelo seu frescor) e o Barca Velha 1995 (grande fim de boca). Deu a impressão de que a década de 70 não deveria ter tido nenhum BV, pois o seu único representante, o Barca Velha 1978 já mostrava sinais de cansaço. Recentemente o provei e percebi que estava ladeira abaixo. O Barca Velha 1985 por unanimidade foi o pior de todos, e sempre que o degusto fico imaginando se deveria ser realmente um BV. É lógico que, quando se trata de vinhos velhos, há muitas variáveis na avaliação.
Concluindo, diria que diferentemente de outros grandes vinhos do Douro, o Barca Velha, particularmente, os mais antigos, mostram uma elegância e finesse ímpares, que ainda não percebi em outros, mesmo em safras relativamente antigas. Talvez, com mais paciência na guarda destes, possa a vir a ser contestado. E é o que espero, pois adoro os vinhos da boa “terrinha”.
Gerson Lopes – www.gersonlopes.com.br{:}