Lalou Bize Leroy, a grande dama da Bourgogne

Por Ana Carolina Dani

Muitas vezes, nos perguntamos como alguém se torna um mito. O caminho entre a imagem criada com o tempo e os princípios de origem pode ser tão longo, que as razões que fizeram de alguém uma lenda podem se tornar obscuras, difusas, borradas.

Ora, quem não conhece o trabalho da célebre Lalou Bize Leroy poderia pensar que ela se enquadra nessa categoria difusa de mitos sem fundamento. Mas não é o caso. Basta ouvi-la falar, explicar sua visão do mundo, da vinha e do vinho para compreender por que alguns de seus crus, produzidos na região da Bourgogne, estão entre os mais procurados (e caros) de todo o mundo.

Todo o trabalho feito por Leroy tem como alicerce uma visão bastante pessoal que lhe acompanha desde pequena : a do respeito pela matéria-prima e o amor pelo terroir. Soma-se a isso um paladar excepcional, um trabalho rigoroso na vinha e a consciência de que somos efêmeros, de que passamos, mas a terra fica.

 


Fonte: The Great Domaines of Burgundy, Remington Norman e Charles Taylor

Origens 

Lalou Bize Leroy foi criada em meio às vinhas e ao vinho. Desde 1868, sua família era proprietária de uma das mais respeitadas « maisons de négoce » da Bourgogne. Ela mesmo conta que, desde muito cedo, já tinha claro o que deveria ser um bom “Pommard” ou um bom “Volnay”.  Em 1955, começou a trabalhar na propriedade do pai. Ela provava, selecionava as uvas e vinificava junto com pai os vinhos que seriam vendidos pela Maison Leroy.

Além de negociante, o pai de Lalou também detinha a metade do já reputado Domaine de la Romanée Conti (DRC), que havia adquirido em 1942. Durante quase 20 anos, a francesa atuou como co-diretora do DRC, até que divergências entre ela e os outros sócios da vinícola, a família De Villaine, provocaram sua saída em 1992.

Porém, desde 1988, Lalou Bize Leroy já vinificava os próprios vinhos no Domaine Leroy. Convencida de que o solo, a uva e as vinhas eram seres vivos que deveriam ser respeitados, baniu imediatamente o uso de pesticidades, fungicidas e herbicidas e adotou o cultivo biodinâmico, uma decisão muito ousada para a época. Hoje, a grande dama da Bourgogne defende com unhas e dentes a biodinamia e rebate as críticas recorrentes de que se trata de um cultivo com bases esotéricas. « Trata-se, puramente, de bom senso », afirma.

Além da biodinamia, Lalou Bize Leroy segue outros princípios estritos, que norteiam seu trabalho tanto na vinha, quanto na cantina. As uvas, tanto para tintos, quanto para brancos, são colhidas manualmente, colocadas em caixas pequenas e transportadas em caminhões refrigeados até a cantina. O objetivo é evitar que sejam esmagadas e deixem  escapar o suco que, em contato com o ar, pode oxidar.

Os bagos devem chegar inteiros na mesa de triagem, onde serão minuciosamente separados. O Domaine Leroy é ,provavelmente, uma das vinícolas que emprega o maior número de « triadores » por caixas de uva da França.

 Outra particularidade são os rendimentos mínimos por hectare. Enquanto na Bourgogne a legislação autoriza um rendimento máximo de cerca de 40 hectolitros/hectare para um  grand cru como Musigny, por exemplo, os grandes vinhos do Domaine Leroy raramente ultrapassem 20 litros/hectare.

 A colheita é sem desengace, ou seja, as uvas são enviadas com a parte vegetal do caule para os cubas de fermentação.  Somente o excesso do engaço é descartado.  As leveduras são naturais, um preceito que Lalou defende sem hesitar. « No Domaine Leroy, o winemaker são as leveduras. Nós simplesmente observamos e tentamos entender o que está ocorrendo”, costuma afirmar. 

 Trata-se de um trabalho de alta costura, feito barrica por barrica. Alguns dos crus de Leroy, como o grand cru Musigny, são produzidos em quantidades limitadíssimas (uma a duas barricas por ano) e considerados o exemplo do que se faz de melhor com a uva Pinot Noir no mundo. É certamente essa visão particular e determinada, aliada a um processo rigoroso,  que faze dos vinhos de Lalou Bize Leroy crus incomparaveis em textura, energia, pureza e densidade.

 O entendimento de que o homem está a serviço da natureza, e não o inverso, é a base para se produzir um vinho de qualidade, um verdadeiro vinho do “terroir”. E Lalou faz parte desses produtores em que a personalidade não tenta se impor à força da natureza.

Em tempo (nota do editor): a safra 2004 foi desclassificada por Madame Leroy em razão de o ano marcar a morte de seu marido, Marcel Bize, vítima de um câncer pancreâtico. Desde 1958 juntos, eles reuniram as forças para criar o Domaine Leroy em 1988. Hoje Lalou mantém ainda 25% do DRC, mas sem poder de voto, 100% do Domaine d´Auvenay e 33% da Maison Leroy. A Maison Leroy detém 100% do Domaine Leroy. Uma das filhas de Madame, Perrine, está no Conselho do Domaine Romanée Conti há quatro anos. Perrine, por sua vez, tem duas filhas, sendo que uma delas, Roxanne, neta de Lalou, estuda enologia na Suíça. Os herdeiros de Pauline, irmã de Lalou, detém 25% do DRC e 33% da Maison Leroy. O grupo japonês Takashimaya detém 33% da Maison Leroy.

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