Bourgogne em dois tempos

Por Gilmar Oliveira e Carlos Acciari

Ao abordarmos as safras 2015 e 2016 na Bourgogne, podemos perceber poucas similaridades entre elas.  O ano de 2015 foi tecnicamente perfeito, chuva na hora certa, estiagem no momento exato e o sol no período correto. A Bourgogne se alegrou, após tantos anos com safras medíocres, rendimentos difíceis por causa do granizo ou geada antes da maturação das uvas.

Vale lembrar que a região perdeu o equivalente a uma safra, correspondente a 100% de uma colheita, nos seis anos anteriores a 2015, considerado pelos viticultores como um ano da vitória, da volta à normalidade, porém alguns percalços apareceram no caminho. O excesso de calor seco bloqueou o desenvolvimento das uvas, o que levou ao amadurecimento prejudicado de algumas parcelas . A colheita se deu com um mês de antecedência, algo raro na Bourgogne.

No fim das contas, os vinhos apresentaram uma produção bem inferior ao esperado, os cachos pequeninos deram pouco suco, mas bastante concentrado, bastante álcool, e, em geral pouca acidez ou menos acidez nos brancos e muita fruta nos tintos, bastante aromáticos. A imprensa logo falou do ano mítico pois as condições climáticas foram quase perfeitas. Levados pela mediatização (imediatização), 2015 foi considerado um ano excepcional, o que não deixa de ser verdade, porém os apreciadores de Chablis, por exemplo vão se surpreender com um vinho muito menos denso, com menos frescor e acidez aquém do geralmente encontrado num Chablis.

Já 2016 foi um ano com pouquíssima colheita!

Por causa justamente de mil problemas climatológicos, principalmente granizo e geada, a colheita foi catastrófica, com perdas de 30%, 40%, 70% e até 100% em certos terroirs da Côte d´Or. E, para complicar, onde houve uva também se notou problemas de apodrecimento em alguns cachos.

Diante dessa catástrofe aparente os produtores da Bourgogne levantaram as mangas e puseram-se ao trabalho para superar o desafio à frente.

Hoje degustando a safra 2016 vemos que a Bourgogne atingiu o topo. A produção foi tão pouca que, enfim, deu tempo para que os viticultores trabalhassem detalhadamente cada parcela de vinha e na cave pudessem elaborar com precisão a vinificação em cada barrica. Eles vivenciaram o vinho de tal maneira que conseguiram extrair o máximo potencial de cada terroir. Em nossas visitas a Domaines de norte a sul da Bourgogne pudemos constatar o alto nível qualitativo do que foi produzido nesse millésime excepcional. São vinhos complexos, cheios de sabor e estrutura, equilibrados e potentes, excelentes e promissores. Os primeiros vinhos dessa safra começaram a chegar em maio ao Brasil.

Passado o efeito mediático de 2015 e hoje em viagens à Bourgogne e conversas com os produtores, a frase que se ouve muito frequentemente de vigneron visitado é que 2016 representa a Bourgogne, é um ano bourguignon, um ano de vinhateiro, um ano que privilegia o ‘connaisseur’, o verdadeiro apreciador de grandes Bourgognes.

Resumindo 2015 é melhor em tintos com muita fruta muita alegria muito sol, vivacidade, já 2016 é ano que brilha a brancos e tintos, porém os brancos se saem melhor pois em geral o tempo foi mais fresco, com o frio incorporando mais acidez.

Ah, sim, como exceções e particularidades recheiam a Bourgogne: em 2015 fez calor, mas as terras que eram mais frias produziram vinhos brancos excepcionais, Auxey Duresses é um exemplo, nos tintos, a indicação é para a região Givry, que se beneficia de um clima único e dá origem a um vinho de muito caráter. Mais ao norte da Côte de Nuits, sobressaem-se Nuits Saint Georges ou Morey Saint Denis.

Os vinhos da safra 2015 já podem começar a ser degustados, como alguns exemplos de Pommard ou das colinas de Aloxe, Ladoix e Savigny, vinhos que geralmente têm de esperar no mínimo três a cinco anos para começarem a ser abertos.

Gilmar Oliveira é fundador da Govin e Carlos Acciari, apaixonado pelos vinhos da Borgonha

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