Depois de trabalhar por mais de duas décadas no mercado financeiro, Allen Meadows resolveu descansar dos números. Decidiu usar os dias da recém conquistada aposentadoria para escrever um livro sobre sua maior paixão: os vinhos da Bourgogne. Um ano depois, mudou o projeto e criou a Burghound, um site com resenhas a cada quatro meses sobre os vinhos da Côte d´Or. Lançada em janeiro de 2001, se tornou a primeira publicação dedicada exclusivamente à região, muito antes da onda que hipervalorizou os vinhos.
O sucesso surpreendeu Meadows, que há 17 anos comanda a Burghound. Hoje ele divide sua residência entre os Estados Unidos e casa adquirida na Bourgogne, onde passa cerca de cinco meses do ano. Depois de publicar um livro sobre os vinhos de Vosne-Romanée (Pearl of Côte), Meadows deve lançar até o fim do ano o segundo “Burgundy Vintages – A History from 1845”. Em parceria com Doug Barzelay, Meadows centrará atenção em cada uma das safras desde 1845, não apenas dando notas, mas falando do contexto de cada ano e da época em que os vinhos foram produzidos, para traçar um panorama de pouco mais de um século e meio mostrando as transformações provocadas tanto em produtores quanto no estilo dos vinhos. Assim a ideia é mostrar o hoje da Bourgogne e qual deverá ser seu futuro. “Queremos mostrar os aspectos econômicos, sociais e culturais que fizeram a Bourgogne ser hoje a região que mais atrai a atenção dos consumidores no mundo. Nem sempre foi assim.”
Curiosidade: dois vinhos apenas têm nota 100 de Meadows, um é o Romanée Conti 1945, o outro é o La Tâche 1962.
PISANDOEMUVAS: Em outubro de 2017, os sete e meio hectares de Clos de Tart foram vendidos por 250 milhões de euros, um recorde acho que mundial. O custo da terra na Bourgogne está subindo, a legislação de herança é de 30%. O futuro da Bourgogne artesanal está ameaçado? Mais bilionários e grandes négociants, como Drouhin e Faiveley, ganharão espaço?
ALLEN MEADOWS: Sem dúvida, o fluxo de dinheiro de bilionários e de grandes corporações coloca alguns riscos potenciais por várias razões. A primeira – e talvez principal – ameaça à Bourgogne tradicional é que a estrutura atual está mudando e por quê? Porque está se tornando crescentemente caro que os donos dos terroirs os passem para as próximas gerações. Há também o fato de que não são todos os herdeiros que querem ou podem trabalhar em um domaine. Então quando uma grande corporação ou um bilionário chega com um cheque sobre a mesa e pede uma resposta, é muito tentador àqueles que não trabalham no domaine ou não querem essa vida recusar. Essas quantias são muito superiores aos dividendos anuais que eles recebem das vinhas. O outro problema, muito mais sutil, é que esses capitalistas ao comprarem um ativo buscam rentabilizá-lo. Isso resultará em alguns casos em aumento dos preços dos vinhos, em outros casos redução dos custos de produção. Nenhum desses caminhos é desejável, mas não há um meio fácil de parar o que ocorre.
PISANDOEMUVAS: Há trinta anos, podia-se comprar uma garrafa de Henri Jayer sem precisar vender o rim. A demanda tem sido crescente nessas duas décadas, com novos consumidores pelo planeta. Haverá uma correção de preços?
ALLEN MEADOWS: No topo da cadeia, não há nenhuma razão para acreditar que os preços não irão subir um dígito ou dois dígitos. A verdade é que os vinhos mais reputados, principalmente os grands crus, se tornaram símbolos de status e como consequência seu valor está além das garrafas. No entanto, é importante frisar que esses vinhos representam 2% da produção total, ou seja, há uma variedade ampla de vinhos disponíveis a preços razoáveis.
PISANDOEMUVAS: O aquecimento global já tem impacto sobre a produção de vinhos? Poderá ter impacto sobre como o sistema de crus foi desenhado?
ALLEN MEADOWS: Hoje alguém poderia argumentar que os vinhos tintos e os brancos de Chablis têm se beneficiado das temperaturas mais elevadas porque dificilmente se veem safras muito fracas. Isso não quer dizer que todas as safras são grandes mas que a qualidade do vinho é muito mais consistente hoje do que há 30 anos. A possibilidade de o sistema de apelações ser mudado um dia, pode ocorrer, mas acho que as chances disso são relativamente pequenas. Porque muito tem sido investido em marketing e na produção para que um dia um La Tâche não seja mais um grand cru. Isso demandaria uma vontade política enorme, que é difícil de ocorrer.
PISANDOEMUVAS: Quando o senhor criou a Burghound, esperava sucesso? Quantos assinantes hoje?
ALLEN MEADOWS: Honestamente, não. Nunca imaginei mesmo que fosse um sucesso. Eu, Erica (esposa), Christopher (filho) somos muito agradecidos pelo apoio. Não revelo os números, mas posso dizer que temos assinantes em 67 países, incluindo o Brasil.
PISANDOEMUVAS: O senhor está terminando um novo livro sobre a Bourgogne? Já tem data de lançamento?
ALLEN MEADOWS: O manuscrito de “Burgundy Vintages – A History from 1845” está nas mãos do designer, não há ainda uma data fechada para o lançamento, mas espero que um email de pré-oferta do livro seja enviado em breve para os clientes, que podem acessar: www.burghoundbooks.com.