Não é fácil encontrar uma pessoa do nada assim que faça pulos no peito, de repente! Mas, por vezes, do nada poderá aparecer, depois vêm aquelas sensações não explicadas, incompreendidas, mas únicas.
Das touradas a produzir vinho, tudo que era tentador encantava o espanhol Miguel. Acreditava na vida curta, excitante, depravada, apaixonadamente sem pudores, de alma despida e liberta! Ana era paixão. Paixão pura pela escrita. Só gostava de escrever e nada além. Escrevia por aí uns contos, também sobre o meteorologia em uma coluna do jornal e, aos poucos, um livro.
Miguel estava de passagem por um vinícola no interior da profunda Borgonha, na Champs Élysées dos vinhedos, como chamam os franceses a estrada que liga a cidade de Beaune a Dijon e fazia uns meses que Ana chegara em Beaune, porém, antes mesmo de ser contista, ela fazia a coluna do tempo porque mesmo sem fontes precisas diziam que era assertiva, ela poderia sentir o tempo “virar“ quando uma crise de espirros antecipava que dias de chuvas viriam. A consulta à sua coluna era precisa. Foi então que seus caminhos e de Miguel finalmente se cruzaram. Uma tarde ele se ausentou da fazenda por um dia e com Ana contato teve. Havia ido a Beaune para compra de algum material. Ana aproveitou e deu -lhe seu cartão, sob o argumento de querer “fazer novas amizades”, e surpresa ouviu de Miguel um elogio ao seu talento natural e um convite para visitar a vinícola. Ana não recusou e disse que providenciaria uma visita.
Passado os dias, Miguel novamente se deslocou a cidade, como havia de ser normal e procurou Ana , que, à pergunta por que não agendará uma ida, respondeu que vivia uma fase de demanda forte de tempo para seu livro, mas que agora ele a inspirava! Miguel escutou, olhou-a e falou mais um pouco de seu trabalho, dizendo que aquele ano seria de boa colheita para Beaune e para si e que uma região com tanto potencial teria que trabalhar com persistência diariamente, pois merecia vinhos de qualidade. E também graças às previsões de Ana! Foi embora, mas não antes de convidá-la a muito dedo de conversa e, voilá!, um belo fim de tarde, inicio de noite e quem sabe fim de noite na fazenda… Passados os dias, tempo, tempo no controle, garoa fina, consulta à coluna de Ana e tudo feito com calmaria na época, dava até para Miguel voltar à cidade para vê-la. Desta vez, a ideia de Miguel teria sido um convite para um serão: “Você escolhe três vinhos, eu escolho um…Mostra-me tuas histórias, em uma hora fechamos, acha que dá?“ Mais um suspiro de Ana, que disse que, por certo, as conversas regadas a vinho são qualquer coisa de bom… Uma incógnita que deixa outra história para contar… Mas não prometeu data, ainda não, o seu trabalho demandava tempo e depois os contatos com Miguel nessas idas e sequências a alimentavam o suficiente para produzir o livro, a coluna, os contos! Miguel retornando à fazenda, no outro dia a mesma coisa, 6 da manhã, dia controlado, dia calmo. A única coisa que não estava calma era a espera pela visita de Ana e a aceitação pelo sugerido serão. Então Miguel decidiu dar uma pausa em rever Ana, como forma dela devolver-lhe a visita. Miguel tentaria, apesar da ansiedade.
Amanhece, nada na coluna de Ana. Coluna do tempo e clima sem cartas e previsões? Miguel então recomeça os trabalhos. Passado os dias, nada da coluna de Ana, e pensava Miguel, que será que Ana fazia? E não mais eram importantes os boletins atualizados. Ele não sabia nada, já não se importava com o tempo. Os céus já estavam refletindo na terra outra cor, como sinal que alguma coisa poderia mudar, talvez uma garoinha. Preocupado, como enólogo responsável, Miguel já não saía mesmo da vinícola: reuniões, auditorias. De repente dois dias mais tarde veio uma chuva forte que destruiu uma grande parte da produção. A colheita que estava acontecendo dentro de um ritmo fantástico, calmo, sem receios, veio a se perder em boa parte. Miguel ficou incrédulo, pegou o carro foi até a cidade, procurou Ana, que estava em casa. Ele, sem ainda acreditar e entender, encontrou-a na cama, febril, desde que começara a cor do céu mudar. Ou seja, Miguel, ao desaparecer, consumiu Ana em longo resfriado até ela parar de escrever totalmente. Mais duas horas perto de Miguel, a febre diminuiu e a chuva com o mau tempo evaporou-se… O sol se abriu… Mas o vinhedo…