Natália e Thó se conheceram entre mensagens e fotografias. Ela, uma guria morena e linda; ele, um homem que parecia ser menino: ex-fotógrafo, taurino, tinha muito a dizer sobre sua experiência.
Nos primeiros encontros, entre os vinhedos da Rioja, houve várias “conversas de olhares”, silenciosos, mas que diziam muito. Ele a olhava como que enfeitiçado, despindo-a com o olhar e depois comendo-a, com aqueles olhos de se comer fotografia*1.
Mas a conversa deles também era por palavras, e ela gostava muito da voz dele. Enquanto ele falava, era o ouvia fascinada, encarando-o e querendo engolir aquele homem por sua cultura!
A casta era o honrado tempranillo, aquele que transmite estrutura, sutileza e aptidão de boca…
Ele falava, ela olhava… brilhando essa mesma sutileza nos olhos de ambos… As palavras ao redor da casta rainha serviam de base para algo mais: e o enlace da nostalgia era algo indescritível…
Seguiram-se então muitos dias, e Thó, com muitos trabalhos na vinha, só tinha um pensamento: Natália … Dias se passaram e ela tanto sumia como ressurgia com a câmera em punho. Enquanto ele falava, ela registrava, com enormes e menores cliques, tudo de interessante e – por que não? – desinteressante também, pois pequenos e grandes pormenores a consumiam no meio da analogia das palavras…
Os dias avançavam e invadiam o ponto da colheita, e lá já estava Thó, colhendo, ansioso: mais um dia em que a colheita fora feita sem Natália. Até que percebeu: ela era tudo que ele sempre sonhara encontrar em uma mulher. Ela poderia ser a mãe dos seus filhos. Desse pensamento em diante ele a amou assim, como sendo aquela que o empurrava à indesejada vida adulta. Como a mulher que, pelo simples fato de existir, ameaçava-o com a permanência de um relacionamento que ficasse, apesar de tudo, um “para sempre” impossível e assustador.
Mas Natália, bicho solto por natureza, fazia com que ele a sentisse no momento em que pensava em fugir: uma sombra escurecia os seus olhos e a foto se esvanecia. E ela se ia. Mas em sua ida sempre voltava. E o desespero dele sempre a esperava. E continuavam ali. Ele a amando como quem ama o erro, sabendo que não poderia consertá-lo e odiando-o por isso. Ela o amando sem amar, querendo correr, mas se vendo ficar. E em tantas idas e vindas, amores e ódios, começos e fins, às vezes, em silêncio, se olhavam… Naquele instante, tudo surgia, e tudo desaparecia… Restavam apenas os dois, que se comiam com aqueles olhos de comer fotografia.
*1 Frase de Chico Buarque – “com aqueles olhos de se comer fotografia“