Bordeaux 2017, uma safra de terroir 

Por Ana Carolina Dani

Como todos os anos, durante a primavera na França, tem início o sistema “En Primeurs”, uma das vendas antecipadas de vinhos mais famosas do mundo. Trata-se de um modo de comercialização específico da região de Bordeaux, em que os châteaux vendem os vinhos antes de serem engarrafados, quando ainda estão envelhecendo nas barricas. Os clientes somente recebem as garrafas adquiridas dois anos mais tarde. A principal vantagem são os preços, normalmente mais baixos do os que serão fixados quando os vinhos forem lançados no mercado.

 

 

Este ano, a campanha teve início no final de abril e deve durar até meados de meados de julho. A safra que está sendo comercializada é a 2017, um ano marcado por dois importantes fenômenos meteorológicos : as geadas de 27 e 28 de abril, que atingiram grande parte dos vinhedos da região, e as chuvas de início de setembro. Esses dois eventos naturais tiveram grande impacto na região, com consequências por vezes irreversíveis.

Os vinhedos mais severamente afetados foram devastados e simplesmente não produziram vinho em 2017. Em comparação à safra 2016, o volume total produzido em Bordeaux  caiu 40% . A queda foi ainda mais pronunciada na região de Pomerol e Saint-Emilion, onde a produção despencou 60%.

Mas os grandes terroirs e os grandes produtores frequentemente conseguem dar a volta por cima e contornar situações que podem parecer, a priori,  catastróficas. Um trabalho rigoroso  no solo, na vinha e o terroir são determinantes para minimizar o impacto dos caprichos da natureza.

A safra de 2017 pode, então, ser considerada uma safra de forte identidade, pois  exigiu mais do que nunca um trabalho rigoroso na vinha. É uma verdadeira safra de viticultor, que expressa o terroir. Em termos de estilo, assemelha-se à safra 2014, porém com um perfil mais clássico : menor teor alcóolico; fruta expressiva com aromas frescos, porém maduros; taninos bem integrados, e boa acidez.

Meteorologia

Ao contrário do que poderíamos pensar, 2017 não é uma safra fria. O inverno foi  extremamente seco e a primavera quente, o que contribuiu para que os solos se aquecessem rapidamente, acelerando o crescimento das videiras.  “Foi um ano precoce. Quando chegamos ao final de junho, já estávamos uma semana à frente do ciclo normal “, explica o enólogo e  consultor Stéphane Derenoncourt, que presta assessoria para vários châteaux bordaleses e ainda está na direção da vinícola do cineasta Francis Ford Coppola na Califórnia.

Em seguida, o mês de julho e os primeiros 15 dias de agosto (verão na Europa) foram bastante “mornos”, deixando entrever uma safra em que os vinhos seriam menos potentes que aqueles produzidos em anos de verões mais quentes. Felizmente, o calor apareceu na última quinzena de agosto, a maturidade se acelerou e as uvas atingiram bons níveis de maturação.

No entanto, um novo fenômeno veio preocupar os produtores: as chuvas do início de setembro, que deixavam entrever o risco de diluição das uvas. “As chuvas serão um fator determinante nesta safra. Haverá uma verdadeira fratura, uma hierarquia dos solos. Quanto menos argila tiver o solo, pior será, pois, nos solos mais filtrantes, a água passa diretamente para as raízes e as uvas incham, podendo dar origem a vinhos  diluídos” , explica Derenoncourt.

Vinhos e terroir

De maneira geral, os vinhos produzidos na chamada Rive Gauche, que são os vinhedos situados à margem esquerda do estuário do rio Garrone, tiveram uma qualidade melhor, especialmente no norte do Médoc, em denominações como Saint-Estèphe e Saint-Julien, que quase não foram afetadas pelas geadas. Os Châteaux de Saint Pierre, Beychevelle, Branaire-Ducru, Léoville Poyferre, Montrose  produziram vinhos excelentes.

Pauillac também deu origem a vinhos muito bons, especialmente aqueles originários dos terroirs próximos do rio Garonne. Alguns ótimos resultados também em Pessac-Léognan, especialmente nos vinhedos que foram poupados pelas geadas e chuvas.

Já a região de Saint-Emilion, situada à margem direita (rive droite) do estuário, sofreu muito com as geadas, que devastaram boa parte dos vinhedos. Entretanto,  paradoxalmente, “os melhores vinhos deste ano virão da Rive Droite, já que estes foram os solos de argila que melhor resistiram ao risco de diluição”, diz Derenoncourt.

Châteaux como  Petrus, Vieux Château Certan, l’Eglise Clinet e Lafleur, em Pomerol, ou Cheval Blanc, Canon, Ausone, Angelus, Canon-la-Gaffalière e Figeac em Saint-Emilion, produziram excelentes crus esse ano.

Vale também notar que 2017 é uma grande safra para os brancos secos , que são aromáticos, frescos, ricos e maduros. Quanto a Sauternes, é uma otima safra, num estilo rico e potente.

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