Um aniversário à la Babette

 

“Festa de Babette” talvez seja o filme mais icônico para enófilos e apreciadores da culinária. Ganhador de Oscar para o Melhor Filme Estrangeiro, em 1987, ele conta a história de uma cozinheira que fugiu da França por causa da repressão do governo à Comuna de Paris, um movimento contrarrevolucionário de 1871.

Para sobreviver, ela viaja para um vilarejo religioso na Dinamarca onde trabalha como faxineira por anos. Até que um dia ela recebe a notícia de que ganhou na loteria 10 mil francos. Resolve usar todo o dinheiro para fazer um jantar para as duas irmãs e à pequena congregação, aproveitando a celebração do centésimo aniversário do pastor que a fundou.

Com sua generosidade, Babette ensina aos habitantes do vilarejo que a arte e o cotidiano podem ser fontes de prazer e que a culinária e os vinhos podem criar memórias eternas. As cenas do filme vêm à mente ao se relembrar o aniversário de 40 anos de João Ferraz em que vinhos, comida e conversa criaram recordações únicas.

Foram muitas garrafas, muitas uvas, muitas safras, muitos produtores, muitas regiões da França ao longo de horas em que se esqueceram as preocupações do dia a dia e se viveram momentos dignos de Baco.

 

 

Alguns dos destaques do dia:

Petit chablis 2019 Raveneau – assim como passetoutgrain na Borgonha, petit chablis não é badalado, mas com o sobrenome certo podem sair belas pechinchas. Ainda novo. Garrafa Magnum, a primeira de muitas.

Chablis 1er cru Séchet 2015 Dauvissat – O Fla-Flu de Chablis tem uma disputa entre primos: Raveneau ou Dauvissat. O primeiro produz cerca de 30 mil garrafas, o segundo, 80 mil. A produção menor se reflete nos preços, mas a dupla segue há anos disparada no topo do terroir que produz chardonnays profundos e minerais. Um registro bem diferente do La Forêt, aqui um vinho menos mineral, mais floral, menos enérgico, mais elegante.

Ganevat Les Grands Teppes Vieilles Vignes – um chardonnay com uvas de mais de 80 anos plantadas no Jura por uma das referências.

Cheval Blanc 1982 – Um bordeaux no ápice é sempre um prazer. Um margem direita delicado, elegante, soberbo, com todas as notas terciarias de um grande Bordeaux. Equilíbrio, taninos ultra finos, numa sinfonia de ervas finas, tabaco, couro, e incenso. Delicioso e talvez no seu melhor momento.

Fleurie 2014 Yvon Métras – UM dos mais cultuados produtores de Beaujolais em uma garrafa Magnum da safra 2014. Suco de pitanga.

Léoville las Cases 1990 – Mais uma garrafa Magnum agora de um margem esquerda, do terroir de Saint Julien, um dos fortes candidatos a ir para o lugar mais alto do pódio bordalês, caso fosse feita uma reclassificação da classificação de 1855. Referência absoluta na comuna de Saint-Julien, disputa a maior reputação deste terroir com o Chateau Ducru-Beaucaillou, embora de estilos totalmente opostos. A safra 90 encontra-se num ótimo momento para ser provada e essa garrafa Magnum já mostra um vinho que começará a chegar ao seu platô em pouco tempo. Esse vinho e esse terroir deveriam ficar mais na mira dos bebedores. Um vinho, muitas vezes, subestimado.

Montrose 1982 – Se Cheval blanc está em seu platô e beirando a perfeição, com taninos de seda, Montrose está no terço final de seu platô, com seus aromas terrosos e minerais, marca do terroir de Saint Estèphe. Em um mundo em que os cifrões são cada vez mais altos, esse vale muito mais que o pesa, principalmente em algumas safras.

Pinot Fin 2019 Arnaux Lachaux – Os aromas dos vinhos da maior estrela da Borgonha atual são sempre de tirar o fôlego, mesmo nesse rótulo mais simples de um domaine que conquista a crítica e sobe a cada dia na escada rolante dos preços. Há um quê de Chambolle nesse vinho.

Champagne Rupert Leroy 11, 12, 13 – Aqui subvertermos a famosa frase de que tudo começa com champagne. Chegamos atrasado ao início da festa, perdemos as borbulhas de Lassaigne, mas ao fim a generosidade de um dos convidados fez com que fosse aberta essa bela champagne de Rupert Leroy, corte de 50% de chardonnay e 50% de pinot noir. São apenas quatro mil garrafas produzidas. Toques de frutas exóticas, como carambola. Altamente gastronômico.

Assim como Babette, saímos do aniversário e olhamos as estrelas. A arte está aí. Basta senti-la.

Obrigado, João.

 

 

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