Tem uns restaurantes que você sabe que são ótimos, mas, por alguma razão, não encabeçam a lista quando se marca um almoço ou jantar com amigos. Tempo, trânsito e comodidade têm levado boa parte das mesas procuradas ficarem em torno de Pinheiros, Vila Madalena, Paulista, Centro e Jardins, o que nos tem afastado do Paraíso, bairro em que dois endereços têm ficado na memória: um é o Josefa, o outro, Jiquitaia, este último escolhido para um jantar numa noite de maio de 2025 para receber um amigo carioca que está se aventurando, com a esposa, no mundo do vinho, com uma vinícola em Portugal, mais especificamente no Dão.
No começo, dessa vez, não se escolheram borbulhas, mas um chardonnay alemão do terroir do Baden feito pelas mãos de Martin Wassmer. Para acompanhar, chips de jiló e depois as coxinhas de frango caipirinha, que são capítulo à parte. Sequinhas, crocantes, com um recheio delicioso com frango suculento e um tempero levemente picante, difícil resistir e não ficar pedindo uma porção, mais outra e por aí vai. Para os sem vesícula, está aqui uma fritura obrigatória na cidade de São Paulo.
Nas entradas, destaque também aos quiabos com missô, mostrando mais uma vez como esse vegetal é mal compreendido, mas bem feito provoca ótimos momentos. Aí foi a vez da parceria entre Niepoort e equipo Navazos, um Palomino Fino seco, safra 22, versátil à mesa, podendo tanto acompanhar as entradas, quanto os pratos principais. Ambos os vinhos importados pela cave léman.
Chega o momento de pedir os pratos principais. Primeiro, o arroz de tucupi e o pato e depois o arroz de tomate com pupunha e cogumelos e por fim o bife ancho ao ponto com batatas fritas. Aqui vale destacar o talento do chef — Marcelo Bastos, que está também por trás de dois endereços em Pinheiros e Vila Madalena frequentados por nós – o sororoca, um preferido para peixes; o lobozó, cujos arrozes do interior o país e o frango caipira fizeram muitos almoços no período da pandemia.
O arroz de tucupi e o pato são uma deliciosa leitura da comida paraense, uma explosão de sabores brasileiros, harmônicos. O prato harmonizou muito bem com o mercurey 2022 do Michel Juillot, novidade da importadora Tanyno, que passou por uma decantação de quatro horas e cujo leve floral da pinot noir fez um bom casamento com o prato, cuja rusticidade pode ferir boa parte dos pinots. Aqui a cote chalonaise faz diferença.
Para o bife ancho, a escolha foi as tourigas do casal Kelman – Rafael e Juliana, que estão se aventurando com uma vinícola no Dão desde 2013, buscando apresentar o caráter e a tipicidade dos vinhos da região. Juliana trocou a publicidade pelo mundo do vinho, Rafael ainda concilia o mundo dos megawatts com algumas idas para o Dão. A escolha de Portugal não foi aleatória, Juliana foi em busca de seus laços familiares, queria saber mais sobre suas raízes no Minho. De lá para a compra de uma quinta no Dão. São seis hectares. A quinta da família está localizada em Nelas, no coração do Dão, com vinhas plantadas em 2000 com castas tradicionais, incluindo Touriga Nacional e nesse caso também a touriga brasileira, safra 2017, um vinho que tem o toque floral da primeira casta e uma potência e longevidade dignas dos melhores exemplares do Douro.
Os vinhos dos Kelman, cujo enólogo é Antonio Narciso, não chegam ainda ao Brasil, estão em busca de importadora.
O passeio ainda teve o capítulo final: as sobremesas: cachaça, maracujá, banana e coco e torta de mandioca com calda de abacaxi e doce de leite.
Resultado? Precisamos sair da zona de conforto e irmos mais ao Paraíso. Esperamos em breve mais um almoço com os Kelman, mas da próxima vez no Rio.