A academia de vinhos antigos

Com mais de quatro décadas comprando garrafas, François Audouze se tornou dono de uma das maiores e melhores adegas do mundo, sendo amigo de dezenas de vignerons mundo afora. Quando conseguiu comprar uma garrafa do raro Gaudichots 1929 (que depois se tornaria La Tâche, depois de o Domaine de la Romanée Conti ter requisitado sua fusão com o grand cru), ligou para Aubert de Villaine e fez uma degustação histórica no Taillevent em Paris: o Gaudichots 1929 foi colocado ao lado de Cros Parantoux 1991 e 1995 de Henri Jayer. O resultado está no filme sobre Jayer (que pode ser visto aqui https://www.youtube.com/watch?v=GEHBTAJrKSc) .

 

 

Audouze se aposentou e agora reúne clientes periodicamente para participar de almoços ou jantares em que abre algumas das preciosidades que tem acumulado em sua vida de amante dos vinhos raros. Em seu site http://www.academiedesvinsanciens.org/ disponibiliza a programação de seus eventos. Audouze, que deverá publicar um novo livro no próximo ano, fala sobre seus grandes vinhos, sobre a fraude no mercado mundial e sobre sua maior paixão.

PISANDOEMUVAS: Como veio sua paixão pelos vinhos e sobretudo por safras mais antigas? Qual o vinho que despertou seu fascínio?

FRANÇOIS AUDOUZE: O despertar ocorreu por volta de 1975 em uma degustação às cegas organizada pelo dono de uma épicérie que tinha uma adega extraordinária com vários grandes rótulos de safras antigas que tinha sido constituída pelo avô. O vinho que abriu todos os sentidos foi um Climens Barsac 1923, cuja complexidade era tamanha que me fez orientar minhas compras de vinhos em vinhos antigos.

PISANDOEMUVAS: Se o senhor tivesse de escolher cinco garrafas míticas para a adega dos sonhos, quais escolheria?

FRANÇOIS AUDOUZE: Hermitage La Chapelle Paul Jaboulet Aîné 1961 / Mouton-Rothschild 1945 / Château Lafleur Pomerol 1947 / La Tâche Domaine de la Romanée Conti 1962 / Château d’Yquem 1861

PISANDOEMUVAS: Desengaçar ou não desengaçar as uvas? A escola Jayer ou a escola Villaine? Que o senhor faria, se fosse um produtor, aliás, nunca pensou em ser um?

FRANÇOIS AUDOUZE: Depois de quarenta anos degustando vinhos antigos, minha filosofia é de que eu me proíbo de fazer julgamentos em relação à maneira de se fazer o vinho. Eu degusto, gostou ou não deles, e os bebo como eles são feitos. Eu amo artes plásticos, sobretudo a pintura. Eu iria até o Paul Gauguin e o aconselharia de pintar em tons mais amarelos e vermelhos nos quadros? Isso seria um sacrilégio, ou seja, seria o mesmo com os produtores. Eu amo os vinhos com uvas com engaço, como as usadas no DRC, são vinhos que tocam meu coração, são os que o Aubert de Villaine faz, acho que há um toque de amargor que amplia as sutilezas dos grandes bourgognes. Mas eu também amo a precisão dos vinhos do Henri Jayer. Eu pensei em me tornar um produtor e ter uma propriedade, mas renunciei ao desejo, preferi me dedicar a safras antigas de grandes vinhos.

PISANDOEMUVAS: Rudi Kurniawan vendeu dezenas de milhões de dólares de vinhos falsificados entre 2002 e 2008, inundando o mercado mundial com centenas de rótulos que são falsos. Há especialistas que apontam que a falsificação não parou e continua com outros vendedores vendendo gato por lebre. O senhor já teve problemas ?
FRANÇOIS AUDOUZE: O Rudi Kurniawan entendeu que o mercado mundial de vinhos mudou e hoje se orienta pela especulação. Há milhares de pessoas que compram vinhos para não abri-los, apenas para revendê-los em dois a cinco anos com um grande lucro. Isso abriu as portas para a fraude. E a fraude fez com que eu mudasse minhas compras. Foi a partir de 2005 que eu comecei a mudar minha postura. Eu jamais comprarei um Pétrus 1947, que se tornou um grande troféu. Eu também não compro mais garrafas recondicionadas (alguns châteaux oferecem a oportunidade de colocar novas rolhas em vinhos antigos) porque o risco é ainda mais alto. Primeiro, o gosto delas é menos puro que a garrafa com a rolha original. O número de garrafas bouchonnées é mais alto. E o risco de falsificação é muito maior : falsificar uma rolha de 80 anos é quase impossível. Mesmo com esses anos de experiência já cometi vários erros. Comprei uma caixa de 12 garrafas de Pétrus 1952 falsa.  A caixa de madeira e a proteção das 12 garrafas eram tão autênticas e perfeitas que eu não me dei ao trabalho de olhar as garrafas. Grande erro. Eu processei que me vendeu. Ganhei o processo. Mas ele ingressou em falência e eu não fui reembolsado.

PISANDOEMUVAS: O senhor já escreveu um livro sobre suas experiências no mundo do vinho. Espera fazer um novo?
FRANÇOIS AUDOUZE: Estou nesse momento escrevendo um novo livro sobre os vinhos que marcaram minha vida e as grandes harmonizações entre vinho e comida. Deverá ser lançado em setembro do próximo ano.

PISANDOEMUVAS: O senhor organiza jantares e almoços periódicos em Paris ou em regiões vinícolas francesas em que abre algumas garrafas antigas para clientes. Esses jantares têm atraído brasileiros?

FRANÇOIS AUDOUZE: Sim, mas são muito poucos. Para participar deles, é preciso entrar no meu site (http://www.academiedesvinsanciens.org/) e ver a programação. Dia 29 de novembro farei um jantar no Château Yquem com vinhos raríssimos e alguns clientes da França, China, Alemanha e Estados Unidos. Os vinhos serão : Champagne Dom Pérignon 1959 / Champagne Veuve Clicquot rosé 1955 / Montrachet Domaine de la Romanée Conti 1997 / Montrachet  Grand Cru Domaine Ramonet 1978 / Château Cheval Blanc Fourcaud Laussac 1945 / Château Mouton Rothschild 1928 / Château Lafite-Rothschild 1878 / Mazy Chambertin Grand Cru Domaine Armand Rousseau 1966 / La Tâche Domaine de la Romanée Conti 1983 / Château Sigalas Rabaud 1917 / Château d’Yquem 1899 / Malaga 1872.

PISANDOEMUVAS: O senhor realmente nunca pensou em mudar de lado e se tornar um vigneron?

FRANÇOIS AUDOUZE: Como te disse anteriormente, já, sim. Era uma época em que os vinhedos custavam uma fração do que custam hoje, acho que umas dez vezes menos que atualmente. Não avancei por várias razões : eu poderia comprar um bom terroir, não um grande. Eu ainda teria de promover um vinho que eu não colocaria normalmente nas degustações que faço. Então eu teria muito mais prazer em seguir minha vida de amante de vinhos de safras antigas. Segui a vida de empresário, empreendedor, dirigi uma indústria, que me possibilitou ter as garrafas que eu queria.

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