Uma das menores cidades da Bourgogne, com pouco mais de 300 habitantes, Chambolle-Musigny produz os mais delicados, finos e femininos vinhos da região. Por entre as ruas, deparam-se com sobrenomes famosos: Mugnier, Roumier, Barthod, Amiot-Servelle, Vogüé, cada um com seu estilo e seus vinhedos. Atrás do restaurante Chambolle, cuja carta de vinhos tem uma das mais completas seleções de rótulos dessa cidadela, fica o Domaine François Bertheau, que só produz Chambolles, com exceção da vinificação de uma pequena parcela de Aligoté, mas esse para consumo próprio.
Ao contrário de seus pares midiáticos, Bertheau, cujos vinhos não são vendidos no Brasil, está fora do radar das principais publicações e evita participar das degustações promovidas pelos guias franceses. Grande parte da produção é exportada para os Estados Unidos, Japão e Europa. Aqui são produzidos um Chambolle-Musigny, um Chambolle Premier Cru (assemblage de Groseilles, Baudes, Noirots and Gruenchers), o Chambolle Musigny Les Charmes, o Les Amoureuses e o Bonnes Mares, mescla entre a terra branca e a vermelha desse grand cru. A vinificação é quase igual para todos, com uso mínimo de madeira, de até 10% a 15%, para que a delicadeza e a sutileza possam transparecer na taça.
François, que assumiu o Domaine em 2003 do seu pai Pierre, faz Chambolles delicados e sutis, com preços que podem ser considerados uma barganha se comparados aos de Mugnier e Roumier, apesar de o primeiro ser líder inconteste nos quesitos: emoção, sutileza, coração e mente. Há uma particularidade: não há marcação nos barris, Bertheau sabe de cor onde cada vinho repousa, um segredo de um meticuloso e perfeccionista viticultor que gosta de ter controle de cada etapa.
O sucesso das últimas safras fez com que ele não venda mais seus vinhos no Domaine, cujas últimas safras tiveram perdas por causa das condições climáticas, principalmente em 2016, quando os rendimentos foram até 50% menores. A safra 2016 é considerada clássica. O Chambolle-Musigny é vinho delicado e sutil. O Chambolle-Musigny Premier Cru é um degrau acima, um vinho que conjuga fruta, mineralidade e aromas florais, uma aposta certeira para se comprar de caixa. O Les Charmes é um vinho abordável, refinado.
Um dos mais reputados crus da Bourgogne, Les Amoureuses é um terroir mítico. Quatro produtores têm boa parte de seus vinhedos na parcela mais próxima de Musigny, a melhor. Um deles é Bertheau, os outros três são Mugnier, Roumier e Vogüé. Cada um extrai um vinho diferente. Mugnier caminha na linha tênue que separa o encantamento da mediocridade, com um vinho absolutamente espetacular, a essência de um Bourgogne grandioso. Bertheau faz um meio caminho entre a delicadeza de Mugnier e as mãos de Christophe Roumier.
O Bonnes Mares é um vinho colhido em vinhedos de Morey Saint Denis e Chambolle-Musigny, com terras marrons e brancas, um vinho mais possante, rústico em comparação aos outros dois, mas muito bom. A degustação chega ao fim, mas antes de despedir peço um pequeno favor: uma taça a mais de Amoureuses. A vida fica muito mais fácil assim.