Por Ana Carolina Utimati e Lucas Gavião *
O Barolo tem sangue azul. Suas origens em meados do século XIX estão ligadas à Casa de Savóia, que governou o Piemonte por séculos e, depois da unificação, foi a dinastia dos reis da Itália, dando causa ao apelido de “vinho dos reis, rei dos vinhos”. Curiosamente, a Casa de Savóia nasceu no medieval Reino da Borgonha, revelando que, na origem, as duas regiões vinícolas são primas-irmãs.
Se, na Borgonha, Pinot Noir e Chardonnay dividem os louros, na viticultura piemontesa a uva Nebbiolo reina absoluta. Os maiores vinhos do Piemonte são 100% Nebbiolo, cujo nome vem da névoa (nebbia) que cobre os vales da região, especialmente nas lindas e frias manhãs de outono.
Quando se pensa em visitar produtores em uma das principais regiões vinícolas do mundo, as opções são, aparentemente, quase infinitas. Aparentemente porque, depois de contatar por email diversos produtores que inicialmente selecionamos, quase todos nos retornaram dizendo, gentilmente, que não poderiam nos receber nessa época. O fato é que os produtores, mesmo os mais conhecidos, têm estrutura pequena, com poucos funcionários disponíveis para receber os turistas.
Desse modo, pedimos ajuda ao hotel, que nos enviou uma lista extensa com diversos produtores que poderiam nos receber. Decidimos concentrar nossas visitas aos produtores de Barolo e os escolhidos foram: Oddero, Vajra, Elio Grasso e Vietti (este último foi o único que conseguimos agendar por email). Uma visita bônus foi o Contratto, produtor de vermouth e espumantes.
O Poderi e Cantine Oddero está localizado na comuna de La Morra e é um dos mais antigos produtores de vinho no Langhe, com origens no século XVII. Ainda pertence à mesma família dos fundadores e o patriarca Giacomo Oddero, com mais de 90 anos, guia os rumos da empresa. Giacomo é um dos mais conhecidos embaixadores do Barolo e das trufas brancas do Piemonte. A visita foi simples, mas acolhedora, como geralmente acontece em pequenos produtores. Na degustação, destaque para o Barolo Bussia Vigna Mondoca.
Diferentemente do anterior, o G.D. Vajra é um produtor da nova geração, situado na comuna de Barolo. O proprietário é Aldo Vaira, que é natural de Turim. Nos anos de 1970 em diante, Aldo se tornou um pioneiro da agricultura orgânica no Piemonte e lutou contra o uso excessivo de madeira nos Barolo, adotando um estilo elegante e moderno. Curiosidade: o Vajra com “J” é a grafia do sobrenome Vaira em dialeto piemontês. A visita foi ótima, pessoal e atenciosa. Na vinícola, conhecemos rapidamente a esposa de Aldo, Milena Vaira, que estava apresentando o local para outros visitantes. G.D. Vajra entregou exatamente o que queremos receber em visita a um produtor. Ao final, a degustação revelou vinhos elegantes e delicados, com destaque absoluto para o Barolo Bricco delle Viole.
Na vila de Monforte d’Alba visitamos Elio Grasso, que é o mais renomado produtor desse grupo. A reputação é totalmente merecida. A família Grasso é produtora de vinhos há gerações, mas foi Elio quem elevou a casa ao patamar atual, reestruturando a empresa e os vinhedos a partir dos anos de 1970. A casa da vinícola é uma joia do século XIX, porém, os vinhos são produzidos com a mais moderna tecnologia. Fomos muito bem recebidos e o tour pela vinícola foi excelente. Eles produzem dois Barolo cru, dos vinhedos Gavarini e Ginestra. Degustamos o Barolo Ginestra Casa Maté, de inesquecível classe e complexidade, além de outros vinhos igualmente bem feitos. Visita recomendadíssima.
Vietti é um produtor antigo e grande (para os padrões de Barolo), localizado em Castiglione Falletto, que, dizem, é a vila mais bonita da região. Foi um dos primeiros produtores a exportar e hoje é internacionalmente conhecido, inclusive no mercado brasileiro. É de certa forma especial para nós, porque há anos consumimos seus vinhos, do simples Dolcetto d’Alba e do branco Roero Arneis aos Barolo. A visita foi muito boa, especialmente porque foi muito bem conduzida. Na degustação, além dos Barolo, destaque para o Barbera d’Asti La Crena, feito com vinhas de mais de 80 anos.
Entre um negroni e outro, o barman do hotel nos recomendou a visita ao Contratto, tradicional produtor de vermouth, que foi inventado em Turim. Lá descobrimos que eles também produzem espumantes, pelo método clássico. Recentemente, o Contratto foi comprado pelo mesmo proprietário da casa La Spinetta, de Barbaresco, que investe no aumento da qualidade. A visita foi uma delícia e muito diferente das demais.
*segunda matéria de uma série de 3 sobre o Piemonte: primeira pode ser lida aqui: http://pisandoemuvas.com/2018/01/07/piemonte-no-outono/
terceira sobre a feira de trufas aqui: http://pisandoemuvas.com/2018/01/07/a-feira-de-alba-cesio-137-requer-cuidados/