O Maestro da Nebbiolo

 

Por Gerson Lopes

Foi assim que o crítico de vinhos Antonio Galloni se referiu à morte de Bruno Giacosa em seu brilhante artigo “Remembering Bruno Giacosa” no site Vinous, deixando claro que o mundo da bebida de Baco perdia um titã com o seu falecimento. Na mitologia grega, os titãs (12) foram os ancestrais dos futuros deuses olímpicos (Zeus, Apolo, Afrodite …) e dos próprios mortais. Muitos poetas gregos relataram em suas obras o papel destes seres mitológicos na formação do mundo. E ninguém do planeta vinho pode contestar o importante papel que teve Bruno Giacosa na formação do conceito singular que desfruta o Piemonte no panorama vitivinícola nos últimos tempos.

 

 

Apenas um homem de visão, como é o caso de Bruno Giacosa, seria capaz de construir, conquistar e ser tão bem-sucedido em sua carreira. Bruno iniciou-se como commerciante, o que os franceses denominam négociant, seguindo os passos de seu pai. Naturalmente isso só veio com muito trabalho. É o que sempre digo para os jovens: não se pode ter, o que não se tem e ser o que não se é, sem trabalho. Infelizmente a geração atual não acredita neste princípio, acham que o sucesso vem sem precisar de esforço.

É importante que se saiba que Bruno Giacosa começou a trabalhar ainda adolescente, por volta de 15 a 16 anos, junto de seu pai comprando uvas para os grandes engarrafadores e vendendo um pouco de vinho a granel. Provavelmente tinha em sua mente a clareza de aonde e como chegar, pois, aproveitando o conhecimento que foi adquirindo das melhores vinhas de cada produtor, mais tarde – próximo dos 40 anos, começou a fazer seu próprio rótulo com as uvas das melhores vinhas (crus) destes agricultores. Isso por volta de 1960. O pai de Bruno mostrou-se resistente alegando inclusive conflito de interesse, porém como o avô -já falecido e também produtor-, o  projeto de produzir vinhos com o seu nome continuou crescendo.

“É incontestável, mesmo entre os produtores e vinicultores mais egocêntricos no Langhe, que ninguém conhece as vinhas de Barolo e Barbaresco melhor do que Bruno Giacosa”, diz Kerin O’Keefe em seu excelente livro “Barolo and Barbaresco – The King and Queen of Italian Wine”. Uma leitura indispensável para quem deseja se aprofundar no mundo da Nebbiolo.

Ainda jovem, Bruno Giacosa tinha a fama de possuir um potencial diferenciado na prova das uvas, sabendo como poucos diferenciar as excepcionais das boas ou comuns. Algumas pessoas creditavam ao seu paladar extraordinário, porém para ele (Bruno) isso se devia à sua aguçada capacidade olfativa.

No Piemonte, como em muitas outras regiões vinícolas do velho mundo, há muitos séculos se conhece os melhores vinhedos (vinhas ou crus), porém o movimento de nomeá-los, só começou a partir dos anos 60. Esta mudança se deve muito ao produtor Renato Ratti, o “famoso cartógrafo dos crus de Barolo”, assim como a Bruno Giacosa, que segundo Galloni “foi o primeiro produtor no Piemonte a adotar, de todo o coração, a filosofia do vinhedo único (cru) de Barolo e Barbaresco”. A partir daí ele nos oferece preciosidades oriundas de vinhedos excepcionais, sejam de Barolos, como Falleto e o emblemático Collina Rionda, sejam de Barbarescos, como Asili e Santo Stefano.

O primeiro rótulo de Bruno Giacosa colocado à venda foi um Barbaresco Riserva Speciale 1964 feito de uvas de vários vinhedos. Como quase todos os produtores-engarrafadores da época, não havia interesse em promover o nome da vinha, pois, se valorizada, os preços das uvas aumentariam, sem falar no empenho de todo produtor em ser mais conhecido que a vinha/cru. Por outro lado, é neste caso que observamos a arte do “fazedor” de vinhos ao mesclar uvas de várias vinhas de modo a produzir joias liquidas a espelhar o seu estilo. Ainda em 1964, acompanhando Gaja e Beppe Colla, Bruno Giacosa estreia o seu single vineyard, o Barbaresco Santo Stefano Riserva Speciale. Na safra de 1967, Giacosa lança dois crus, o Barbaresco Asili Riserva Speciale e o Barolo Vigna Rionda di Serralunga.

Não eram apenas as melhores uvas de Nebbiolo que Bruno Giacosa procurava, mas também Barbera e Dolcetto, sem falar da Arneis de Roero e Pinot Nero de Oltrepo Pavese. Os vinhos com a etiqueta Casa Vinicola Bruno Giacosa são feitos com uvas compradas de agricultores selecionados e aqueles com a etiqueta Azienda Agricola Falletto di Bruno Giacosa são feitos exclusivamente com uvas dessa propriedade, adquirida em 1982. Sobre os rótulos de Bruno Giacosa senti uma certa confusão, característica que parece existir entre os magos do vinho, como percebi em Soldera (http://pisandoemuvas.com/2018/01/16/soldera-e-soldera-uma-vertical-por-uma-das-lendas-da-italia/). Outro motivo de alguma discussão diz respeito aos seus “Red Label”, porém Bruno sempre soube quais de seus vinhos/safras mereciam seu símbolo máximo de qualidade, o rótulo vermelho de Riserva.

Recentemente, junto de amigos propus um encontro onde brindaríamos Bruno Giacosa pelo reconhecimento de sua história para o Piemonte e para o mundo do vinho e neste jantar provaríamos alguns vinhos deste produtor. O local escolhido foi um excelente restaurante de Belô (BH/MG), cujo chef-proprietário, Matheus Paratella residiu por muitos anos na região. Matheus preparou um menu fantástico em seu D’Agostim di Paratella: “Crocante di pasta povera, formaggio di capra, fichi e miele” e depois “Supli al telefono”, como aperitivos; a seguir uma pasta como primo piatto “Maltagliati al ragu bolognese”; o “Brasato al vino rosso” como secondo piatto e como dolce, uma de suas criações mais gostosas, o “Minestrone di frutta e verdure con granita al rosmarino”. Para os amigos “formiguinhas” mais um dolce, o “Semifreddo al crocantino di nocciole”.

Brindamos inicialmente com o Spumante Extra Brut Bruno Giacosa 2011, 100% Pinot Nero (Pinot Noir) feito pelo método tradizionale (ou classico), com sboccatura (dégorgement) maggio 2017. Ainda jovem, vibrante, bolhinhas finas e persistentes, ao nariz é elegante com notas frutadas, florais e tostadas. Ao paladar, é seco, envolvente, cremoso e com frescor muito agradável. Casou maravilhosamente com o primeiro aperitivo. O vinho branco Roero Arneis Bruno Giacosa 2012 encantou a todos com seus elegantes aromas de damasco, algo cítrico e mineral, e toques florais. Na boca é intenso, macio e fresco. Final de boca com boa persistência. Fez uma bela maridage com o segundo aperitivo. Apresentados em dupla -o Barbera e o Nebbiolo-, fez jus ao nome o Barbera D’Alba 2010 da Azienda Agricola Falletto di Bruno Giacosa, de vinhedos próprios na região de Falletto. Um senhor Barbera! Fruta suculenta mesclada a terra com folhas secas esmagadas, toque floral e de especiarias, madeira muito bem posicionada, acidez refrescante, e delicioso e persistente final de boca. Super gastronômico! O parceiro ideal para a pasta servida. A harmonização do Nebbiolo D’Alba Valmaggiore Bruno Giacosa 2010, do cru Valmaggiore com a pasta, não comprometeu, porém a meu ver foi um pouco demais para ela. Geleia de frutas, alcaçuz, flores secas ao nariz. Na boca se mostrou intenso, equilibrado, fresco, taninos sedosos e final longo. Talvez pedisse um prato de risoto com cogumelos ou até uma caça. Os últimos dois vinhos tinham garrafas numeradas e bom potencial de guarda, particularmente o último.

A “conversa” foi ficando séria nos dois pares de vinhos que vieram a seguir: Barbaresco Albesani Santo Stefano e Barbaresco Asili, ambos 2009, o primeiro da Casa Vinícola Bruno Giacosa e o segundo da Azienda Agricola Falletto di Bruno Giacosa e o último par, o Barbaresco Asili 2008 e o Barolo Falletto di Serralunga D’Alba 2007, ambos da Azienda Agricola Falletto di Bruno Giacosa. Todos escoltaram muito bem o brasato e tinham garrafas numeradas. Asili é a vinha mais próxima do coração de Barbaresco e sem dúvida é um dos estrelados entre os crus desta região. O Asili 2009 pareceu estar mais pronto que o 2008, porém em ambos havia a marca de seu vivo perfume floral e sua formidável elegância. Na boca mostravam complexidade de sabores e taninos mais polidos que o Santo Stefano 2008. O Barolo Falletto 2007 estava delicioso e mostrava uma bela arquitetura de taninos que pedia mais alguns bons pares de anos de guarda. Ao nariz, tudo que um grande Barolo pode nos oferecer (rosas, violetas, frutas vermelhas, trufas, alcaçuz, couro …)

Rememorar este homem de poucas palavras e raros sorrisos me deu a oportunidade de recordar de muitos de seus grandes vinhos que tomei em minha vida, graças aos amigos generosos. Muitos destes vinhos entraram em minha lista dos TOP 10 que faço há anos. Galloni considera 1989 e 1990, juntamente com 1978, 1982, 1996, 2001, 2004 e 2007, entre os melhores vintages de Giacosa. Particularmente, os Riservas (Red Label). Salvo engano, só não bebi o ’90 e o ’78 e alguns destes grandes bebi mais de uma vez. Como esquecer da elegância dos ’82 e ’89 Barolo Riserva Collina Rionda? Jamais! Bruno Giacosa não precisava falar muito e sorrir, pois seus memoráveis vinhos falam por ele e quem tem a oportunidade de prová-los com certeza irá sorrir muito e dizer: Grazie Bruno!

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