Entre vinhos imortais, parte I

Por Gerson Lopes

Velhos Bordeaux de sonho

Enquanto escrevo este texto, sou capaz de fechar os olhos e sentir os aromas, sabores e texturas envolvidos de cada vinho servido naquele dia, como nenhum outro. Mas vou me ater ao primeiro flight dos quatro que fizemos, cada um com suas surpresas e emoções particulares. Não é todo o dia que se bebe diversos mitos.

O voo inicial já veio para causar alvoroço, pois eram de “Vieux Bordeaux de Rêves!”,  aqueles vinhos de Bordeaux que a gente sonha um dia experimentar, mas poucas vezes o sonho se torna realidade. Um deles foi o Mouton Rothschild 1945, um dos 12 melhores vinhos do Século XX, segundo a revista norte americana Wine Spectator. E o líquido dentro da garrafa estava perfeito! Baita felicidade entre os presentes, não apenas pela garrafa mítica (uma das maiores vítimas de falsificações), mas por todos os outros “velhinhos” que estavam primorosos: Gruaud Larose 1945 (Magnum); Vieux Château Certan 1947; Cheval Blanc 1949 e Mouton Rothschild 1953.

O melhor vinho dessa rodada em preferência foi o Cheval Blanc 1949, que encantou a todos com a sua vitalidade em seus quase 70 anos. Hortelã, mineral, cerejas em compotas, toques balsâmicos e terrosos, na boca taninos ultra polidos, refinamento, elegância e final de boca sem fim. Segundo Neal Martin, que agora escreve na Vinous, depois de anos escrevendo sobre Bordeaux e Bourgogne, havia no Cheval 49 algo de inspiração da margem esquerda. “O Mouton Rothschild de Saint Emillion”, diz ele.

Feito no final da guerra, o mítico Mouton Rothschild 1945 foi o segundo na preferência. Algo doce nos aromas e sabores, porém incrivelmente fresco. Traz as características de uma grande safra quente e concentrada. Para Robert Parker, este vinho é “verdadeiramente um dos vinhos imortais do século”, dando-lhe 100 pontos. “Tão grande e rico como cauda de pavão”, coloca Jancis Robinson (20/20). É daqueles vinhos para entrar em seu currículo. Há uma particularidade da garrafa, cujo desenho recebe o “V” da vitória dos Aliados na II Guerra Mundial: na época o Mouton não era um premier grand classé, mas desde o engarrafamento da safra o vinho foi considerado o melhor da safra mítica, que rendeu grandes frutos na França, apesar da safra reduzida.

O sucesso da safra e o reconhecimento de críticos e outros châteaux ajudaram o Barão Philippe de Rothschild a promover a campanha que iria fazer o Mouton ascender, em 1973, ao mais alto lugar das propriedades de Bordeaux: foi a mais importante mudança da classificação dos terroirs, que nasceu em 1855, e permanecia então intacta. Segundo a revista Decanter, em 1945 o Mouton era bem menor que hoje: 51 hectares ante os 82 hectares atuais. Foram produzidas 74.422 garrafas, 1475 magnuns e 24 jeroboams.

Gruaud Larose 1945 dentre as bem antigas é uma das três melhores safras, junto com a 1959 e 1961 (já tomei e é divino!). Outro imortal de 45 nas palavras de Parker. Nariz etéreo, na boca mostra-se carnoso e como um grande Saint Julien ainda com boa vitalidade.

O outro vinho com a nota máxima de Parker e Neal Martin foi o Vieu Château Certan 1947. De outra vez, não tivemos a felicidade de tê-lo em boas condições, o que não aconteceu dessa vez. Provado no fim de 2016 por Jancis Robinson, a crítica lhe deu também a nota máxima (20/20) e, em suas observações, chamou a atenção de ainda estar com “saúde robusta, deliciosamente frutado, rico e completo”. A nossa garrafa estava boa, o vinho estava delicioso, porém estava um pouco port-like. Em mesmo nível com o Mouton Rothschild 1953, também nota 100 Parker. Toque de hortelã e de tostados, profundidade e equilíbrio. Ambos, grandes, porém ficaram um pouco “inferiores” comparados aos três outros, particularmente ao Cheval Blanc 49 e Mouton 45.

Fiquei feliz por ter acertado “quem era quem” e fazer parte da maioria pela votação na preferência do Cheval ‘49, lógico, sem saber que vinho era aquele (às cegas). Podia ter errado tudo, como aconteceu outras vezes, pois a meu ver, provas às cegas exprimem um exercício de humildade.

Brincadeiras à parte, quando estiver presente um Cheval Blanc de boa safra e evoluído, em uma roda de uma degustação às cegas, aposte no que você achou melhor, como sendo ele, pois tenho acertado e visto que ganha todas. Um Cheval Blanc velho em uma boa garrafa parece ser quase imbatível!

Enfim, com estes cinco Bordeaux velhinhos dos sonhos tivemos uma belíssima aula de aromas terciários, taninos polimerizados, equilíbrio, e o significado de evolução com nobreza! Enfim, envelhecimento com qualidade, afinal vinho é um ser vivo, que nasce, evolui e morre.

PS: Essa é a primeira parte de quatro textos de degustações. Amanhã, virão os Bourgognes de Madame Leroy e do Domaine Romanée Conti.

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