Há mortes físicas e existem mortes simbólicas. Na primeira, as portas se fecham, às vezes, depois de uma longa agonia, como aquela presenciada no Capuano, no Bexiga, que por anos ostentou o título de mesa mais longeva de São Paulo. Morreu lentamente. Quando da última vez lá, em janeiro de 2018, os pingos de chuva que passavam pelo telhado prenunciaram o fechamento, sacramentado poucos meses depois, em abril de 2018, depois de 111 anos de história e que, em tempos aúreos, oferecia um fusili artesanal que deixaria contente a minha avó, que fazia ao neto de vez em quando a massa e usava agulha de tricô para lhe dar o formato.
As mortes simbólicas são de um material diferente, são quando as lembranças se esvaem diante de pratos sem autoria, sem chamativos, sem bons ingredientes, sem apelos. Apenas surgem cifrões. Por anos, antes da pandemia, no balcão ou nas mesas, tinha no Tan Tan, na Fradique Coutinho, um porto seguro. Seja antes ou depois do cinema, era ali que se buscavam bons pratos e bons drinques. Havia massas, sejam lámens ou macarrões, que me deixavam com a dúvida: Marco Polo ou China? Itália ou os chineses dominavam a arte de boas massas?
No fim de dezembro de 2018, aqui mesmo, eu escrevi: “O rock é inglês, apesar de ter nascido nos Estados Unidos e ganho projeção no gingado de Elvis Presley. O futebol é brasileiro, apesar de invenção inglesa. Sobre o macarrão, muitos o acham italiano de criação, chinês de nascimento, embora haja disputas historiográficas sobre a origem do carboidrato mais famoso do mundo. Diz-se no futebol que em time que está ganhando não se mexe. O Tan Tan mexeu: conversou com seus fornecedores de massa e melhorou ainda mais o que era bom, alterou os caldos que são a base do lamen, criou novos pratos, como o “tartare” (Yukhue de wagyu) com molho de ostra ou o tempurá de peixe. O que já era bom, ficou melhor ainda. As massas foram ampliadas, duas preferências pessoais: o chow mein (macarrão grosso tostado na wok que ganha molho de ostra, cogumelos, legumes, camarão) e o Ebi abura soba (com camarão, moyashi, ovo, óleos aromáticos).”
As dúvidas percorriam o ótimo tartare com molho de ostra, os gyozas, o ótimo sanduíche de barriga de porco. Para acompanhar, não pedia vinho, mas drinques feitos pela casa, uma das responsáveis pelo ressurgimento do caju amigo. Havia criatividade, coração, inventividade. Para mim, era um endereço certeiro. O Tan Tan ganhou em algumas publicações a melhor mesa de São Paulo, como aqui nesse site.
Veio a pandemia. Muitos restaurantes fecharam as portas, outros se mantiveram. A média da cidade caiu ainda mais, diante da inflação global, que fincou a equação binária: pratos pequenos, valores altos. Voltamos ao Tan Tan mês passado com um amigo. A refeição foi decepcionante do início ao fim. Indiferente. Só lembro que paguei caro, comi mal, bebi muita água para apagar o incêndio da pimenta e quase fui ao McDonald´s.
Tanto decepcionou que meu amigo Carlo Lorusso criou uma piada agora quando o convidamos para o jantar: “pelo menos me leva num lugar melhor, não deve ser difícil”.
Não mesmo.