Vinho Made in Amazon

O futuro da indústria do vinho não será nada do que é hoje: supermercados e lojas perderão espaço para aplicativos e para a Amazon, o trabalho nos vinhedos terá presença crescente de robôs e drones, os críticos e as revistas não terão mais o poder que têm, os vinhos de pequenos produtores serão ainda mais caros e a China, cujo mercado hoje importa vinhos tanto quando o Reino Unido, será o maior mercado do mundo. Nessa entrevista, Robert Joseph, que fundou a revista Wine International em 1983 e a International Wine Challenge, maior competição de vinhos do mundo, fala sobre o que irá mudar nos próximos anos na indústria de vinho. Consultor de importadores e redes de supermercado, produtor de vinhos de uma marca global vendida na rede Sam´s Club, ele acredita também que o número de vinícolas no mundo também deverá ser menor: em Bordeaux na década de 1980, havia 20 mil chateaux, hoje são pouco menos de sete mil e esse número irá continuar a cair.

PISANDO EM UVAS: O senhor, em seus livros e suas palestras, diz que o futuro do trabalho no vinhedo será totalmente diferente do que é hoje. Por quê?

ROBERT JOSEPH: O futuro do mundo do vinho será completamente diferente de hoje. Drones, robôs, inteligência artificial terão impacto sobre o setor. Está sendo cada vez mais difícil de atrair pessoas para trabalhar nos vinhedos e para treiná-las para trabalhar na poda e em outras tarefas, então os robôs serão inevitáveis. Drones e satélites permitirão que os produtores monitorem cada canto do vinhedo, possam saber como cada videira está e qual a necessidade de água ou de fertilizantes. Isso significa que se possa usar menos irrigação e menos tratamento, só aplicando o que for de fato necessário. Inteligência artificial será muito relevante no vinho e em outras áreas. O aprendizado das máquinas fará com que os robôs aprendam com seus erros e que eles possam aprimorar sempre suas tarefas.

Em Bordeaux, em 2017, o Château Clerc Milon, cujos donos são os mesmos do Château Mouton Rothschild em Pauillac, fez um teste com um protótipo de robô para ajudar no cultivo de solo

 

Em relação às compras dos consumidores, os telefones e os aplicativos saberão quem somos nós e os gostos nossos e de nossos amigos. Quando eu compro uma passagem pela KLM usando o Facebook Messenger, o sistema sabe que eu prefiro assentos no corredor e que peço um menu vegetariano. Quando eu compro uma garrafa de vinho usando a Siri, o Google Assistant ou a Amazon, o sistema sabe que eu gosto de Cabernet Sauvignon com mais ou menos madeira e qual a faixa de preço que eu gasto para comprar uma garrafa. Eu também poderei comprar um vinho usando meu telefone ou meu relógio e apontando para o rótulo, como eu usarei isso para comprar roupas ou um punhado de outras coisas. Essas duas coisas juntas significarão que andar pelo corredor de um supermercado com um carrinho será coisa do passado (só ter em mente que supermercados em que nós mesmos fazemos as compras existem há 60 anos). Inteligência artificial ajudará as vinícolas a atingirem as escolhas de seus consumidores da mesma maneira que os partidos políticos estão fazendo campanhas direcionadas a seus eleitores, com mensagens que falam para cada um deles. As vinícolas então poderão falar para um consumidor que o vinho delas é orgânico, para outro contar sua história e para um terceiro discorrer sobre quais os parceiros ideais na mesa para aquela garrafa.

PISANDO EM UVAS: Nesse mundo cada vez mais tecnológico, os consumidores terão menos a escolher?
ROBERT JOSEPH: Sim e não. Haverá menos produtores de vinhos. Bordeaux tinha 20 mil chateaux na década de 1980. Hoje são pouco menos de sete mil e a taxa de desaparecimento deles continua: um chateau deixa de existir por lá a cada dia. A média de um château lá tem 22 hectares, com o preço médio de garrafa entre €2.50-3.70), ou seja, para ser rentável, uma vinícola precisa ter entre 50 a 80 hectares. Isso implica que o número de chateaux por lá deverá continuar a declinar. Isso, no entanto, não necessariamente significa menos escolhas aos consumidores: a maioria deles não ia se deparar com esses milhares de rótulos. O acréscimo das vendas pelas vinícolas por plataformas como Amazon e Facebook poderão fazer com que as pessoas tenham mais escolhas.

PISANDO EM UVAS: O aquecimento global já tem impacto sobre o vinho: a Inglaterra começa a produzir espumantes de qualidade, na Bourgogne nesse ano produtores se uniram para queimar palha para proteger os vinhedos do frio. Qual será o impacto disso para o mundo do vinho?
ROBERT JOSEPH: Ninguém sabe o que ocorrerá, especialmente em relação a atitude do atual governo americano sobre o tema. Se alguns dos piores cenários se tornarem realidade, o nível dos mares poderá subir um metro até o fim do século. A maioria do Médoc estaria sob água, assim como Miami e Nova York, então os problemas da indústria do vinho são menores que os do planeta.

PISANDO EM UVAS: A mídia tem passado por grandes transformações com a internet e as redes sociais. No mundo do vinho, não tem sido diferente: as publicações tradicionais perderão espaço para influenciadores digitais?
ROBERT JOSEPH: Eu fundei a revista Wine International em 1983, escrevi no Sunday Telegraph por 14 anos e escrevi 25 livros e estou convicto de que a mídia impressa, televisiva, radiofônica perderam já espaço e continuarão a perder. A indústria de vinho deu de forma inusual muito poder a um crítico e a uma revista – Robert Parker e a Wine Spectator, o que permitiu que eles tivessem uma influência desproporcional sobre uma indústria toda. Mas isso foi um fenômeno temporário. Agora vemos que resenhas de usuários de aplicativos como Vivino, Delectable ou do sistema de compras da Amazon terão seus dias de infçluência. A mídia tradicional será popular no nicho de amantes e de professionais, uma pequena parcela do mercado.
O Vivino tem hoje 20 milhões de usuários, sendo que a maioria não usa frequentemente, mesmo assim 300 mil garrafas são escaneadas todos os dias para mais informações e 100 mil vinhos são resenhados e avaliados diariamente. A Wine Spectator resenha 20 mil vinhos por ano! Lettie Teague, que escreve sobre vinhos para o “The Wall Street Journal” descreveu um vinho californiano chamado The Prisoner, cuja garrafa é vendida por US$ 40, como maduro e muito caro. O mesmo vinho tem uma cotação de 4,3 estrelas na Vivino. Uma recente pesquisa da PowerReviews com 1000 consumidores apontou que uma das maiores razões de abortar uma compra é falta de informação. As resenhas de consumidores são a quarta principal razão para se comprar na Amazon, depois de variedade de produtos, frete grátis e preços.

PISANDO EM UVAS: Em outubro, o Clos de Tart, o maior monopólio em grand cru da Bourgogne, com 7,53 hectares, foi vendido por € 250 milhões, um recorde na região e talvez no mundo. O futuro dos vinhos artesanais está sob ameaça? Para ser um vigneron de um terroir nobre, é preciso ser bilionário?
ROBERT JOSEPH: Vinhos finos, não importam suas origens, são como hotéis cinco estrelas e carros de esporte – eles são e serão cada vez mais caros, seguindo a lei da oferta e demanda. Grandes Bourgognes, barolos, brunellos, caem nessa categoria. Mesmo villages menos reputadas, como Saint Romain, na Bourgogne, terão uma alta de preços, mas não tanto quanto Vosne-Romanée, por exemplo. Encontrar um vinho ali com bom preço será tão difícil quanto encontrar um hotel barato no centro de Paris ou Nova York.

PISANDO EM UVAS: Há dificuldade cada vez maior de se encontrar safras antigas quando se vai a um restaurante na Europa ou nos Estados Unidos. Isso é uma tendência que veio para ficar?
ROBERT JOSEPH: Nos últimos 20 anos, duas tendências coincidiram: os consumidores desenvolveram uma preferência por vinhos mais jovens e mais frutados, eles evitam safras antigas. Segundo: o fluxo de caixa fez com que produtores e distribuidores evitem manter estoques com vinhos antigos. Eu acho que alguns poucos produtores, como o Tondonia em Rioja, vão continuar a oferecer safras antigas, para um mercado específico, um nicho, mas esses preços serão bem mais elevados…

PISANDO EM UVAS: Em relação ao mercado, como será o consumo no mundo e quem serão os países que liderarão a demanda?
ROBERT JOSEPH: Não há números precisos sobre a indústria do vinho no mundo hoje. O que sabemos é : a) o consumo em países tradicionais como França, Itália e Espanha está caindo rapidamente, um terço dos franceses não bebe vinho e os espanhóis bebem hoje menos que os britânicos. b) os Estados são o maior e mais rentável mercado do mundo, mas a maioria dos americanos não bebe vinho – ainda. Isso significa que existe um potencial ainda de crescimento grande. c) o mercado de importação da China cresce por ano 15% e hoje ela importa vinho tanto quanto o Reino Unido. A produção chinesa de vinho também cresce. Nos próximos 20 anos, a China será o maior mercado do mundo. A Índia também crescerá, mas numa base menor, porque há questões religiosas e culturais.

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