Amáveis vinhos velhos!

Por Gerson Lopes

Tem razão o famoso escritor irlandês Oliver Goldsmith (1730-1774) quando disse: “Eu amo tudo o que é velho: velhos amigos, velhos tempos, velhos hábitos, velhos livros e vinhos de reserva”. Compartilho aqui duas das experiências mais memoráveis com vinhos velhos que tive em minha vida. Com certeza havia amor em tudo isso – generosidade e gratuidade, dois de seus adjetivos obrigatórios. Naturalmente, isso só foi possível pois tenho amigos muito generosos que me convidam de vez em quando.

Ao falar de vinhos velhos temos que pensar que, ao abrir uma garrafa, é um pouco como abrir um livro. Nunca temos a certeza do que iremos encontrar. O vinho antigo é um contador de histórias. E cada garrafa é sempre uma história única …

Você já deve ter escutado que quanto mais antigo o vinho, melhor e mais valioso ele é, não é verdade? Afinal, há sensações que são proporcionadas apenas por um grande vinho velho, sem falar que estamos “saboreando” tradição, exclusividade, coleção de preciosidades.

Inicio falando de uma degustação que denominei de “Os velhinhos inesquecíveis”. Como em todas as provas desta confraria, essa foi às cegas. Permite uma brincadeira deliciosa, tipo “quem acertou quem?” e “qual o seu preferido?” Os vinhos apresentados foram: Haut- Brion 1945 (RP 100); Latour 1945 (RP 95); Giacomo Conterno Monfortino 1945; Cheval Blanc 1947 (RP 100); Ausone 1947 (RP 92) e Vega Sicília 1947.

Após o segredo ser revelado. ganhou a preferência o Château Ausone 1947 por pouca diferença do Latour 1945 e do mais que icônico Cheval Blanc 1947. Acertei qual taça era, mas o coloquei como meu segundo em preferência. Já tive a felicidade de prová-lo por três vezes e sempre me empolga pela sua personalidade, concentração e vivacidade em seus 72 anos. “Bouteille rebouchée et rééliquelée par le Château en 2010”, o que confirma que o vinho recebeu uma nova rolha na propriedade em 2010.

Este Ausone ’47 parece com um amigo meu que não se aposenta nunca, pois sua energia para o trabalho não o permite. Ausone faz jus a ser um dos  astros de Saint-Emilion. O Château Latour 1945 impressionou quase todos, no meu caso foi o meu preferido, mas errei, pois, achei que era o Cheval. Seu bouquet está até agora em minha memória. Refinamento e elegância. O Château Cheval Blanc 1947. Também muito refinado e elegante, porém foi o meu terceiro na preferência, mas o confundi com o Haut-Brion. Este Cheval 47 é uma lenda! E como toda lenda sua avaliação cresceu muito ao se revelar a taça.

A garrafa que bebemos foi submetida à recorked (rebouchée). Recorking “refere-se a um processo específico que visa dar a vinhos dignos (e geralmente caros) mais anos de envelhecimento seguro, trocando uma rolha velha por uma nova. Geralmente, isso é feito na própria vinícola”. O Château HautBrion 1945 estava também encantador, como todos da esquadra bordalesa. Na verdade, quando grandes vinhos, em grandes safras como estes, ao envelhecerem bem, atingem um grau de nobreza ímpar, que fica difícil (ou impossível) identificá-los. Pelo menos, é o que penso.

Os “estrangeiros”, os ícones da Itália e da Espanha, respectivamente, o Barolo Riserva Conterno Monfortino 1945 e o Vega Sicília Único 1947 não foram concorrentes à altura dos Bordeaux. O Monfortino estava muito port-like e já tinha provado outros barolos deste lendário produtor, em safras bem antigas que se mostraram do mesmo jeito, exceto um da safra 1952 que, a meu ver, estaria entre os meus cinco maiores vinhos de vida. Interessante que neste dia a primeira garrafa estava em franco declínio, porém a segunda estava divina. Vinho velho a garrafa (e sua história de vida) conta e muito.

A busca na internet sobre estes dois últimos vinhos foi quase que improdutiva, dada a raridade destas garrafas. Depois de extensa pesquisa, inclusive por verticais pelo mundo de Vega Sicília (VS), onde estavam presentes muitas safras antigas, a de 1947 era citada apenas em uma, porém sem notas de prova. Interessante, pois a safra de 1947 foi considerada excelente (junto com a de 1962, 1964, 1966 e 1976, entre as mais antigas) bem próxima das safras míticas que são as de 1942, 1968 e 1970. Portanto, trata-se de um exemplar raríssimo (como um Vega Blanco de 1938 que nem a Bodega conhecia e que está hoje em seu museu). E aí o que encontramos no “Único” 1947? “Sobretudo história, saber que está provando algo único e mais do que encontrar defeitos ou virtudes no vinho, o importante é desfrutá-lo na mesa com amigos contando as batalhas de cada um”, frase expressa por um dos três amigos que beberam o raro Vega Sicília branco, citação muito  apropriada como fechamento desta bateria inédita de “os velhinhos adoráveis!”

Vamos agora à outra prova, também inesquecível, a de uma “pequena vertical (5 safras) de Cheval Blanc” e um “quase estrangeiro”.  Os vinhos apresentados foram: Cheval Blanc 1929 (RP 90); Cheval Blanc 1947 (RP 100); Cheval Blanc 1949 (RP 96); Cheval Blanc 1953 (RP 96); Cheval Blanc 1982 (RP 92) e o vizinho mitológico, o Pétrus 1945 (RP 98).

Em uma prova vertical de Cheval Blanc (“The Vertical Cheval Blanc – Right Bank Royalty”) em 2015, a famosa Master of Wine asiática Jeanne Choo Lee assim descreveu este vinho ícone: “as impactantes groselhas e amoras pretas de seus primeiros anos cedem ao longo do tempo a um buquê de violetas e lavanda, ameixa e especiarias doces, como noz-moscada. Em sua maturidade, evoca uma vestimenta de um aristocrata do século XVIII, enfumaçada e revestida de couro com bordas douradas. A textura de um Cheval Blanc é sempre de pelúcia, como veludo – é um vinho que apenas desliza pela língua”. Perfeita sua análise sobre a evolução deste grande vinho. Achar diferença entre as safras é coisa quase para “Sherlock Holmes”.

Usada a mesma metodologia (às cegas), onde participaram 12 confrades, houve empate entre os vencedores no quesito preferência: o lendário Cheval Blanc 1947 e o Cheval Blanc 1949. A minha preferência foi pelo 49 e como de outra vez, o achei majestoso, inesquecível! Concordo com o crítico do site Vinous, Ian D’Agata quando diz que ele é mais clássico que o 47. Naturalmente, ambos são fenomenais.

Minha preferência a seguir foi pelo Cheval Blanc 1929, com a cor mais clara de todos, seu frescor, persistência no final de boca e aromas sedutores de frutas secas. Recentemente (janeiro de 2018) o jornalista de vinhos Marcelo Copello , degustou o Cheval Blanc 1929 e suas precisas notas de prova foram: “Cor muito clara, aromas etéreos, com notas de remédio, iodo, frutas secas, kirsch, alguma oxidação, parece um Porto Tawny na cor e no perfil de aromas. Aparentemente já sentindo a idade, mas ainda um vinho excelente, abaixo do Cheval Blanc 1928”. Deu-lhe 94 pontos. Gostei muito do Cheval ’53 e por último o Pétrus ’45 e o Cheval 82. Ambos intensos, mas faltava algo sedutor neles.

Poucos tiveram a oportunidade de provar o Pétrus ’45 daí pouca coisa se consegue na internet, porém Robert Parker o provou em outubro de 1994 e em suas notas de prova escreveu: “Enquanto o Pétrus de 1947 é um vinho grande, suculento e frutado, o 1945 continua sendo um colosso tânico atrasado precisando de mais 5-10 anos de adega. A cor revela tons mais roxos do que o de 1947, e o nariz oferece aromas de frutas pretas, alcaçuz, trufas e carne defumada. Massivamente constituído, com taninos e altos níveis de extrato, este gigante adormecido pode evoluir para outro exemplo perfeito de Pétrus”. Na época deu-lhe 98 pontos. Não sei se o bebesse agora daria esta nota.

 

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