Um filhote vale a viagem

É muito longe, né? Belém do Pará fica a três horas e meia de voo de São Paulo. Longe mesmo é ir para a terra dos Hobbits ou para o Japão. Tem coisa mesmo para ver? Tantas que já planejo uma segunda ida, dessa vez para ver as praias, mas motivos não faltam: obras de Gustav Eiffel, o pôr do sol caindo na floresta, os passeios de barco pelos rios que cortam a cidade, os melhores peixes do Brasil, uma comida que sozinha vale a viagem, uma cidade que viveu o apogeu e o declínio do ciclo da borracha, o mercado Ver-o-peso, o mais antigo cinema de rua em operação no Brasil, um exemplo de como o Brasil não olha o Norte. É caro, né? A passagem aérea é, mas, com planejamento e antecedência e milhas, dá para resolver esse problema. Não é muito quente, não? É, mas deve ser melhor que o inferno, tem uma brisa dos rios e cerveja gelada.

Fazia tempo que me falavam para ir ao Pará, que os melhores peixes do país estavam ali, que a cozinha era espetacular, que a cidade era para se voltar dezenas de vezes, que eu ia querer voltar o quanto antes quando partisse de lá. Era a pura verdade. A culinária paraense usa e abusa de temperos nativos, como o caldo de tucupi ou o jambu, uma erva que provoca um leve adormecimento da língua, de peixes, tucunaré, pirarucu, tambaqui e fihote, e de carnes, como o filé marajoara, feito com carne de búfalo, ou o pato. Tudo sob medida.

A média dos restaurantes visitados é alta, assim como os preços. A espera pelos pratos também é elevada, o serviço também não é de São Paulo, mas o resultado faz se esquecer dos percalços. Na maioria deles, uma refeição sai em média nos R$ 100, sem bebida alcoolica (idade e o fígado não permitem mais misturar remédio de gripe e cerveja, mas me permitiram tomar litros de suco de cupuaçu). Mas os pratos são fartos e a comida muito boa.

Excelentes brochetes de Filhote do Lá em Casa, à beira rio

 

O passeio começou na Cidade Velha, à frente da Estação das Docas, revitalizada no início da década passada, com o Point do Açaí. O paraense não come a fruta como o paulistano ou o carioca. Ele é servido com o prato principal, com o peixe e arroz, e, dependendo da região em que se vem, pode ou não ser misturado com farinha. Os paraenses comem sem a adição de xarope ou de açúcar. O Point do Açaí (R. Veiga Cabral, 450 – Cidade Velha) é um restaurante simples cujas especialidades são os peixes, como o filhote na chapa (R$ 70), uma porção que agrega arroz, feijão e açaí, com três postas do melhor peixe de rio brasileiro. Porra, por que tanto tempo demorei para vir cá? Pois é.

Em casa centenária, tombada, na travessa Benjamin Constant, 1361, fica o Benjamim, um restaurante com ar chique perto do centro histórico. Com um cardápio internacional com um leve toque paraense e preços elevados (entradas na média a R$ 40) e boa parte dos pratos individuais acima de R$ 75, o restaurante oferece pouco para quem quer se aventurar pelos rios ou terras paraenses, mas para quem quer comer um stinco ou uma lagosta vinda de São Paulo pode ser o lugar certo.

Inaugurado em 2005, ao lado de um quartel da Marinha, o Mangal das Garças é o resultado da revitalização de uma área de cerca de 40.000 metros quadrados às margens do Rio Guamá. Lá há alguns animais (jabutis, garças, iguanas), um borboletário em que se pagam R$ 5 para ver algumas borboletas e piranhas, um deck onde se pode ver o rio e as gigantescas árvores do mangue. O elevador está quebrado há alguns meses (Belém dá a impressão de que prefeitura e governo não funcionam), mas, se voltar a funcionar, pode-se ver uma vista privilegiada da cidade. Lá também há o Manjar das Garças, o restaurante, que durante os almoços funciona como bufê (R$ 79) e nos jantares com serviço à la carte. Dependendo do que estiver fresco e às mãos do chef, pode-se escolher à vontade uma variedade de pratos, como filhote ao molho de coco, escondidinho de pirarucu e costela de tambaqui.

No Mangal das Garças, o restaurante oferece um ótimo bufê nos almoços, com pratos típicos, como o escondidinho de pirarucu

Na Estação das Docas, à beira do rio, está o Lá em Casa (Av. Boulevard Castilho França, Estação das Docas, Galpão 2, Loja 4), um dos restaurantes instalados no complexo, que também tem a cervejaria Amazon Bier. Com as receitas de Anna Maria e de seu filho Paulo Martins, o restaurante é um dos mais famosos da cidade e ajudou a posicionar Belém como referência de gastronomia brasileira, muito antes dos Castanhos e da GNT. Em 1972, ao lado de pratos internacionais, o restaurante inovava no cardápio com pratos regionais, como picadinho, carne assada, silveirinha de camarão, guisadinho de camarão com quiabo.

No cardápio, os olhos foram direto nos brochetes de Filhote, intercalados com cebola, tomate e pimentão na chapa, acompanhado de feijão manteiguinha de Santarém, farofa molhada, arroz de jambu e vinagrete (R$ 60). Não sou fã de farofa, mas tive de ceder aos apelos pela que estava no prato. Inesquecível. O arroz de jambu cria um leve adormecimento da língua, sutil, delicado e faz o contraponto com o filhote, grelhado à perfeição. Tudo isso ainda à beira da silenciosa Amazônia, podendo-se ver um pôr do sol ou uma tempestade na floresta. Belém do Pará tem seus encantos. Se você não acreditar, acredite em uma coisa: você vai gostar de comer lá.

 

2 comments

  1. Adorei todos os seus comentários e descrições dos vinhos, dos lugares, das comidas e da sua sensibilidade com é enogastronomia. Parabéns!

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