Naquele dia em Chambolle

Faltavam 15 minutos para a uma da tarde, horário reservado três semanas antes para uma mesa para dois no restaurante Le Millésime, no coração da minúscula cidade de Chambolle-Musigny com pouco mais de 200 habitantes e alguns dos melhores vinhedos do mundo. Enquanto preparávamos para subir os lances da curta escada na frente do restaurante, que fica de frente ao Château Chambolle Musigny, propriedade de Frédéric Mugnier, ouço o barulho de porta de carro sendo fechada. Olho para quem sai do veículo.

– Viu quem é?
– Quem?
– Aubert de Villaine?
– Sério?
– Sim.
– Não falo mais nada, ontem você viu o Ramonet a um quilômetro de distância.
– Vou pedir uma foto.
– Não peça, eles não gostam.
– Vou pedir.

Espero o proprietário do DRC, o mais famoso produtor de vinhos do mundo, que faz o mais caro e emblemático rótulo do mundo, se aproximar e puxo a palavra.
– M. Villaine, posso tirar uma foto?
– Não, desculpe, mas não.

Ele sobe as escadas apressado e desaparece no restaurante.
– Não te falei, viu? Ele não gostou. E agora?
– Vamos almoçar.
– No mesmo restaurante?
– Eu fiz a reserva sem saber de nada, né? Vamos ficar numa mesa distante.
Subimos as escadas e falamos com o garçom, que oferece duas opções: uma mesa ao lado em que Villaine almoça com um amigo e outra mais distante. Seleciono essa última.

 

O garçom pergunta se queremos olhar a carta de vinhos. Digo que não. Temos duas degustações marcadas para a tarde. Pedimos os pratos.

– O Villaine não para de nos olhar.
– Não posso fazer nada, eu não posso ficar me virando aqui pra olhar ele.
– Parece que está falando da gente.
– Deixa isso. A gente tem de almoçar e depois ir para outras degustações. Não deu certo.
– Parece que ele trouxe uma garrafa pra beber, está sem rótulo. Parece marcado a giz.
– Vamos concentrar na gente e no almoço.

Chega o primeiro prato.
– Ele chamou o garçom e apontou para a nossa mesa.
– Por quê?
– Nossa, acho que o garçom vai trazer uma taça para a gente.
– O quê?
– O M. Villaine mandou essa taça de oferta para o senhor.
– Obrigado.
– O que você vai fazer?
– Agradecer com um gesto à oferta dele – digo levantando a taça em direção à mesa, com os olhos marejados, e acenando com a cabeça a gentileza.
– Meu Deus!
– Que é isso?
– Que aroma, meu Deus!
– Que safra é?
– Não tenho ideia, mas deve ter mais de 30 anos. Acho que não é um La Tâche, nem um Romanée Conti, será que é um Saint Vivant?
– Não quero parar de cheirar essa taça.

O garçom chega com o segundo prato.
– O senhor é cliente do M. Villaine?
– Não, não.
– É amigo pessoal?
– Não.
– O senhor sabe o que está bebendo?
– Não sei. Estou em dúvida. Um Saint Vivant
– Sabe a safra?
– Não, mas tem mais de 30 anos.
– Quer saber?
– Sim.
– Um Richebourg 1956.
– Sessenta anos!
– E inteiro, que aroma, que boca!

– Ele está terminando o almoço e olhando para aqui, ele vai vir falar com você, melhor você saber o que vai falar. Vou ao banheiro.
– Pode deixar, se ele vier, falo com ele.

Villaine se aproxima.

– Me desculpe, me desculpe mesmo, senhor, fui muito brusco e rude, mas as pessoas querem fotos para as redes sociais e geralmente não se interessam por nada.
– Desculpe-me eu.
– O mâitre disse o que bebemos?
– Um Richebourg 1956.
– Sim.
– Sou um brasileiro apaixonado pela Bourgogne, amo o terroir e os vinhos. Não tenho palavras pra agradecer, apenas as lágrimas que escorrem – aponto para meus olhos e para meu braço arrepiado.
– Obrigado.
– Obrigado.

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