Vive la France!

Por Gerson Lopes

Não há como discutir que os vinhos franceses estão entre os mais famosos e apreciados do mundo. Não podemos levantar contestações quando dizemos que, em espumantes, os Champagnes são imbatíveis, tanto que são as únicas borbulhas do planeta a merecerem esta titulação (Champagne). Mas a contenda fica acirrada quando dizemos que os grandes vinhos Bourgognes e Bordeaux são os melhores do mundo, porque alguns contestarão dizendo que são “os mais famosos sim, melhores não!”

https://www.youtube.com/watch?v=nhvsB9_9K1s

Particularmente, acho difícil acreditar que haja coisa melhor no território das borbulhas que um excepcional Champagne ou um grande branco ou tinto da Bourgogne em seu momento ótimo de prova. Nesta hora, minha dúvida com relação aos tintos não é geográfica, mas quem é melhor: Bourgogne ou Bordeaux? Muitas vezes fico parecendo um político do PSDB, mudando a cada momento, mas na maioria das vezes emito aquela resposta clássica: “São dois estilos diferentes, portanto, não se pode comparar”. Mas, neste instante, pulo do muro da indecisão e proclamo que os tintos Bourgogne são os que tocam mais o meu coração!

Existem momentos mágicos que o vinho nos propicia e quem devem ser compartilhados com outros amantes. Isso aconteceu recentemente junto de amigos e amigas. Imagine poder apreciar fantásticos vinhos franceses, começando pela melhor casa de Champagne, a Krug, com seu Vintage, e depois viajar pela Bourgogne, inicialmente pela Côte de Beaune, berço dos  grandes brancos – CortonCharlemagne Grand Cru de Verget e o Montrachet Grand Cru de Etienne Sauzet, indo a seguir por Gevrey-Chambertin e Chambolle-Musigny: Chambertin Grand Cru e Clos St. Jacques Premier Cru; Musigny Grand Cru e Les Amoureses Premier Cru, respectivamente. Todos da grande safra de 1996 para a região (idem Champagne) e de excepcionais produtores/domaines, como  A. Rousseau Père & Fils e Comte Georges de Vogüé.

Não quer correr riscos? Então sirva Krug

As borbulhas nobres da célebre safra de 1996 continuam a emocionar com uma combinação de perfeição, intensidade e estrutura. Para todas as grandes casas de Champagne, 1996 é uma das safras mais poderosas e extrovertidas dos últimos anos e seus melhores rótulos mostram equilíbrio suficiente de frutas e acidez para envelhecer com elegância por muito tempo, em alguns casos, décadas.

Quando bebi o Krug 1996 a primeira vez algum tempo atrás, ele se mostrava ainda tenso, com acidez algo exagerada, porém nos últimos encontros, depois de duas décadas, está exuberante, mais suave, brilhante em todos os sentidos. A garrafa de agora encontrava-se perfeita, combinando poder e elegância. Está a meu ver já no estágio de maturidade que permanecerá por muito tempo. Como bem colocou Antonio Galloni em seu site Vinous, “o Krug 96 é um dos vinhos verdadeiramente épicos do ano”. O motivo dele não ter dado a sua nota máxima (deu 98/100) pode ser que, naquele momento, o Krug 1996 estava apenas começando a entrar em seu platô de maturidade.

Dois branquinhos memoráveis!

Nas Minas Gerais, o sufixo “inho” pode significar uma forma carinhosa de comunicação e, não, necessariamente diminutiva. E que branquinhos! Não por acaso, os Montrachet são considerados pelos críticos como o melhor vinho branco seco do mundo. E em sua “cola” temos os Corton-Charlemagne (talvez, o Château Haut Brion Blanc).

Junto com seus vizinhos Grand Cru  – Chevalier-Montrachet, Batard-Montrachet, Bienvenues-Batard-Montrachet e Criots-Batard-Montrachet-, o climat Montrachet é o segundo maior na “constelação Montrachet”, cobrindo cerca de 7,80 ha (entre os 20 ha no total) e está no centro dos cinco outros terroirs que produzem o que há de melhor em brancos secos do planeta. Montrachet está espalhado sobre as comunas de Chassagne e Puligny, e com certeza, é o mais célebre entre os cinco da região. Combina de maneira fantástica potência e elegância.

O Etienne Sauzet Montrachet GC 1996 mostrava uma energia/vivacidade impressionante. Poderoso, rico, mas não tão intenso quanto um Montrachet de Lafon (1999), que tomei recentemente. Ganhou em preferência com evolução na taça do Corton-Charlemagne de Verget.

Corton-Charlemagne (CC) é a denominação Grand Cru para os vinhos brancos da Montagne de Corton, na Côte de Beaune. A denominação  abrange vinhas (55,61 ha) em três comunas circunvizinhas: Aloxe-Corton, Ladoix-Serrigny e Pernand-Vergelesses, essencialmente videiras de Aloxe-Corton e Pernand-Vergelesses. O clássico Corton-Charlemagne é famoso por sua combinação de sabores de frutas – figos e peras assadas-, e seu caráter mineral.

O Verget Corton-Charlemagne GC 1996 apresentou notas cítricas, amanteigado, mel  e mineral. Um vinho refinado e com um lindo dourado na cor, brilhante,  tanto quanto o Montrachet.

Agora, os tintos: premier ou grand cru?

Os quatro vinhos, dois de Chambolle-Musigny e dois de Gevrey-Chambertin, foram colocados às cegas e grandes surpresas acontecem em uma degustação deste tipo, mais ainda quando o “duelo” é entre premiers crus e grands crus. Geralmente as coisas se complicam quando na disputa estão terroirs especiais, como “Les Amoureuses” (o mais reputado premier cru de Chambolle-Musigny) e “Clos Saint Jacques” (o mais famoso premier cru de Gevrey-Chambertin). Não à toa muitos críticos os colocam lado a lado com grands crus.

Eu só descobri às cegas os pares, os Chambolle e os de Gevrey, porém errei todos quando referia a cada um. O melhor por unanimidade acreditei ser o Chambertin e me surpreendi, quando revelado, descobri ser o Clos St. Jacques. Troquei também o Musigny pelo Les Amoureuses. Fiquei menos triste, pois sei que não raramente estes dois premiers crus batem muitos grands crus e alguns críticos de vinhos acham que deveriam ser considerados com o que há de melhor na Côte dp´Or. Seus preços refletem essa convicção. Aqueles que possuem Les Amoureuses vendem pelo mesmo preço que os seus Bonnes-Mares (o outro grand cru de Chambolle além do Musigny). Na comuna vizinha,  produtores pedem pelo seu Clos Saint-Jacques preços mais altos do que o por outros grands crus como Charmes-Chambertin ou Mazis-Chambertin.

Sabe-se que na comuna de Chambolle-Musigny os vinhos são delicados, porém, não débeis. “É a epitome da finesse que um vinho da Bourgogne pode ser capaz”, diz Remington Norman. Musigny tem 10,86 hectares, produzindo em média 300 hectolitros. De Vogüé é o principal proprietário de Le Musigny com 7,12 hectares de sua área total. Depois vem Jacques-Frédéric Mugnier com 1,13 hectares, e com parcelas inferiores a 1 (hum) hectare temos outros grandes produtores em que destacaria Leroy (um sonho já realizado) e Georges Roumier (um sonho a realizar). Em Chambolle-Musigny, o climat Les Amoureuses mede 5,12 hectares e é dividido entre 13 produtores. A tão propalada delicadeza e elegância de vinhos deste climat Premier Cru, infelizmente, não foi sentida.

Comte Georges de Vogüé Chambolle-Musigny Les Amoureuses  1996 estava no mesmo nível do Musigny e não nos seduziu. De maneira idêntica mostrou a mesma paleta aromática (talvez, um pouco mais de couro), e como o Musigny faltava a finesse que se esperava deles.

Comte Georges de Vogüé Musigny Cuvée Vieilles Vignes 1996 mostrou-se ainda com muitas frutas negras, floral, alcaçuz e na boca a clássica elegância, mas não encantou os presentes. Ainda vermelho escuro na cor. Ficou a dever o que disse Clive Coats sobre um grande Musigny: “o céu em uma taça”. Talvez esteja ainda no purgatório e vá subir depois de mais algum tempo em garrafa. Sei não, viu!

Este famoso produtor, Comte Georges de Vogüé, muitas vezes nos traiu, inclusive em anos fantásticos, como 1990 (várias vezes) e infelizmente, agora com o 1996. Enfim, nenhum dos dois me trouxeram aquela lembrança gostosa do Musigny 1996 de JF Mugnier e do Chambolle-Musigny Les Amoureuses 1996 de Robert Groffier, em prova mais ou menos semelhante realizada em 2017.

Maior comuna produtora da Côte d’Or, Gevrey-Chambertin está localizada no extremo norte das Côtes de Nuits e seu estilo clássico é de vinhos de cor mais profunda, mais firmes e mais ricos do que os vizinhos Chambolle-Musigny e Vosne-Romanée ao sul. Os Grand Crus de Gevrey são nove – Chambertin, Chambertin-Clos de Bezé (os dois melhores), Chapelle-Chambertin, Charmes-Chambertin, Mazoyères-Chambertin, Griotte-Chambertin, Latricieres-Chambertin, Mazis-Chambertin e Ruchottes-Chambertin. O Premier Cru Clos Saint-Jacques é de igual qualidade e muitos acham que deveria ter sido incluído nesta classificação, porém a alegaçao oficial é de não fazer parte dos Grand Crus por não ter fronteira com o Chambertin. Clos Saint-Jacques é um pouco mais extenso que o Les Amoureuses, com 6,72 hectares, mas tem menos proprietários, cinco no total.

Domaine Armand Rousseau é um dos nomes que fazem a Bourgogne lendária. Há alguns anos o neto de Charles Rousseau, Eric assumiu a enologia do domaine, mantendo-o no topo dos grandes do planeta.

O Gevrey-Chambertin Premier Cru Clos Saint-Jacques Armand Rousseau 1996, por unanimidade foi considerado o melhor da noite. Simplesmente sensacional! Com uma riqueza e equilíbrio incríveis. Perfumado, elegante, firme e ainda com muitas pernas para andar. Quase todos os presentes acharam que se tratava do Chambertin.

Armand Rosseau Chambertin Grand Cru 1996 mostrou-se suntuoso, taninos aveludados, de uma complexidade incrível em aromas e sabores. Estava também divino, mas a preferência de todos foi pelo seu “irmão menor”. Tem razão Napoleão Bonaparte que dizem que o levava até mesmo em suas guerras no exterior.

E para combinar com estes vinhos foras de série um delicioso “Boeuf Bourguignon”. Noite inesquecível e como diz meu querido amigo Jorge Lucki: “Não existe boa harmonização com vinho sem os amigos juntos”, e eles se fizeram presentes.

 

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