De política às vinhas: Jean Christophe Comor

 

 

Jean Christophe Comor viveu a política francesa por anos, seja como assessor parlamentar, seja como analista político. Em 2002, lançou “Zéro Politique”, em que escreveu que os partidos políticos viviam uma crise de identidade e que o centro estava cada vez mais vazio, o que levava os discursos aos extremos. O diálogo, peça essencial da política democrática, estava sob ameaça.

Duas décadas depois, com a França vivendo um momento singular de sua história, com o presidente Macron sob ameaça de um impasse que pode lhe custar seu cargo, o livro permanece atual. O quadro traz preocupações. O discurso de ódio tem sido alimentado na periferia parisiense e de outras cidades. “Zéro politique é sobre como o vazio se instaurou na política e vemos como isso ainda é um problema”, diz ele, que recomenda que se assista à série de streaming “La Fièvre”, um dos sucessos da tevê francesa esse ano e que mostra as fissuras sociais de uma França à beira de guerra civil.

Comor deixou a política em 2002, quando adquiriu 12 hectares de vinhas na Provence. Nasceu o Domaine Terres Promises, situada no final da apropriadamente chamada Estrada da Perseverança. Os romanos já faziam vinho ali, dois mil e cinquenta e seis anos antes dele. Não entendia nada de terra. Passou a prestar atenção aos detalhes, a olhar a terra, a natureza. Os vizinhos riam e achavam que ele, um homem de cidade, que tinha ficado nos corredores do poder, não daria certo como homem da terra.

Enganaram-se. Ele queria aprender a fazer vinhos, que eram uma paixão, nascida ao beber um vosne romanée sem rótulo da safra 1976 ou 1977. “Era de beber de joelhos.” Foi assim que o mundo de Baco se aliou à política e depois à vida de viticultor. Aprendeu a dura vida da agricultura, que está sempre sob ameaça das intempéries. Sua história apareceu algumas vezes na imprensa francesa, com destaque há cerca de cinco anos quando foi perfilado pelo Figaro. A história chamou a atenção de Aubert de Vilaine, co proprietário do Domaine de la Romanée Conti e também de seu próprio, com sua esposa, Pamela, na Côte Chalonaise. Vilaine o convidou para uma degustação no DRC. Compartilharam histórias e visões do mundo.

Comor tem ganho a cada safra projeção na enologia francesa com vinhos instigantes, sejam brancos ou tintos. O amigo Thomas Pico, do ótimo domaine Pattes Loup, diz que ele é abençoado pelo terroir que tem na Provence. “Vignes (vinhas), l´homme (homem) e caillou (pedra) fazem o vinho e nosso terroir tem pedras que permitem essa salinidade desses brancos”, diz. Bebidos depois de um chablis grand cru, os dois brancos apresentam mineralidade singular. O preço que deverão chegar ao Brasil indica que se tornarão ótimas opções de qualidade e para o bolso.

Por intermédio de um amigo que ama o Brasil, ele começou a vivenciar uma experiência enológica fora da França: vinificação de rótulos no Rio Grande do Sul, na serra gaúcha. Faz ali brancos e tintos em parceria com os donos da Pardinho Artesanal, que faz alguns dos melhores queijos brasileiros. A parceria se iniciou em 2019, se interrompeu pela pandemia, mas foi retomada em 2023. Para ele, o Brasil rima com Alemanha. Por quê? Ficou impregnado o sotaque da comunidade alemã de Teutônia, uma cidade gaúcha com fortes raízes alemãs que fica ali perto de onde ele está ajudando a vinificação de brancos, tintos e um vinho laranja.

Vinho, política se unem à paixão pela literatura. A incursão brasileira o fez procurar autores brasileiros. Gostou muito de “Budapeste”, de Chico Buarque. Conhece de cor o enredo. Por anos, em Paris, uniu uma caminhada no Boulevard Hausmann com dois propósitos: ir à cave Augé e depois ao lado frequentar a livraria preferida de Marcel Proust. Aliás, alguns dos rótulos do domaine são desenhados por um dos ilustradores mais famosos das obras do autor de “Em Busca do Tempo Perdido”.

“Adoro livro físico”, diz. Tem mais de dois mil exemplares. Além do livro de Chico Buarque, dá outra dica de leitura: Primeiro Homem, romance autobiográfico de Albert Camus, cuja primeira frase de “O Estrangeiro” não deve ser dita em voz alta. Mau presságio.

Comor está no Brasil esses dias de junho e início de julho. Veio para a feira Naturebas e para um evento com clientes da Delacroix. De vinhos a política, de literatura ao cinema, ele pode ensinar aos que querem escutar saborosas histórias, de de Gaulle a Sarkozy, de aubert de Vilaine a Proust.

Há produtores que passam a ser mais que rótulos, ganham espaço na mesa e se tornam obrigatórios. Jean Christophe Comor se tornou um. A pergunta é só uma: no terroir original ou no Brasil?

Santé!

PS: aos que forem para a França e quiserem visitar o domaine, Comor ainda abriu recentemente um restaurante. Pode anotar: Domaine Les Terres Promises | La Table

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