Claude Dugat: Griotte, a rainha de Chambertin

Algumas vezes na equação da vida, expectativas altas são diretamente proporcionais a grandes decepções, enquanto um pé atrás pode ser sinônimo de uma queda de joelhos diante da surpresa. Com apenas seis hectares de pinot noir em Gevrey-Chambertin e alguns vinhedos com mais de 100 anos de idade, o Domaine Claude Dugat vinha precedido por alguns comentários de amigos e de alguns críticos de que produzia vinhos extraídos demais, modernos demais, com maquiagem demais, ao gosto do mais famoso crítico de vinhos do mundo.

As notas 99 pontos e 100 pontos dadas por Robert Parker aos Griottes-Chambertin 1990, 1993, 1995 e 1996 tinham tornado todos seus vinhos cultuados e cobiçados por uma legião de enófilos da Europa, Estados Unidos e Japão. Encontrar uma garrafa para comprar era e é uma tarefa nada fácil para um Domaine cuja produção total em um ano sem perdas pode chegar a 30 mil garrafas. Com esse retrospecto, marcar uma visita não era prioridade, até que numa vez, pouco antes da viagem à Bourgogne, numa rodada de perguntas sobre produtores preferidos, a Guria disse que Claude Dugat não era Dugat-Py (primo, cujos vinhos são importados no Brasil pela World Wine) e que ele produzia grandes vinhos.

O email foi mandado, a resposta veio dias depois: uma quarta-feira de outubro às 14 horas. Com Claude e sua esposa Marie Thèrése Gillon curtindo a vida viajando pelo mundo depois de longos anos à frente da propriedade, agora é a vez dos três filhos comandarem o Domaine: Laetitia, Bertrand e Jeanne, que se revezam nos diversos papéis nos vinhedos, na cave e no escritório. Há também um braço negociante (La Gibryotte), em que, diferentemente de outros Domaines, eles não compram as uvas de terceiros e as vinificam, mas compram o vinho já vinificado por outros e o rotulam. “Compramos e rotulamos se está bom, damos a liberdade ao produtor que nos vendeu”, afirma Bertrand Dugat, nascido em 1982.

Domaine Dugat, www.pisandoemuvas.com

Grande parte da produção do Domaine é exportada para Estados Unidos, Japão e Europa. O Domaine não vem para o Brasil, sendo que só dois casais de brasileiros já o visitaram. Do Brasil ele sabe pouco. “O Neymar está ganhando 100 mil euros por dia”, diz, apesar de não ser fã de futebol. Os Dugats produzem sete vinhos: o bourgogne, em uma área de 1,5 hectare e uvas plantadas em 1979; o Gevrey-Chambertin, com uma área de 3,39 hectares e uvas de 1955; o Gevrey Lavaux Saint-Jacques (vizinho do Clos Saint Jacques), com 0,3 hectares e vinhedos de 1980; o Gevrey Chambertin Premier Cru, com uvas de Craipillot e La Perrière, de 1960; o raro Griotte-Chambertin, com 0,16 hectares (cerca de 600 garrafas) de 1957; Charmes Chambertin de 0,3 hectares de 1976 e uma minúscula parcela de 0,1 hectares de Chapelle-Chambertin, de 1902. Há um segredo para os amantes de charutos: uma minúscula produção de Marc de Bourgogne. “Nós somos simples, somos homens da terra e queremos vinhos simples.”

Os premiers e grands crus passam por 100% de madeira nova, o Gevrey Chambertin por 60% e o Bourgogne em barris com um ano de uso. A safra 2016, provada na degustação no barril, teve perdas relevantes nos vinhedos por conta das condições climáticas em abril do ano passado, o que reduziu a produção em alguns casos em mais de 30%. “A safra é clássica”, define Bertrand, que também se mostra otimista com a qualidade e a quantidade da safra de 2017, talvez parecida com 1999, considerada uma das melhores dos últimos 30 anos.

A degustação começa pelo Bourgogne, candidato a melhor genérico regional já bebido e que bateria muitos Gevreys villages de diversos produtores. Com bom potencial de guarda, é um convite para se subir aos outros degraus. O Gevrey Village parece ser um premier cru, tal seu conjunto. “Esses dois são mesmo um Bourgogne e um Gevrey?”

“A gente não muda os barris para a degustação, não”, diz Bertrand, desconfiado. “Desculpe-me, não quis ofender, mas, ao contrário, elogiar a qualidade”, respondo. O Gevrey Premier Cru é ótimo, mas o Lavaux Saint Jacques é a estrela, um vinho que dá muita vontade de colocar às cegas numa degustação com o Clos Saint Jacques do Rousseau; acredito que não haveria derrotados.

O Chapelle Chambertin, com dois barris, vinhedos centenários, produz um vinho mais fechado, mais masculino, feito para durar décadas. O Charmes-Chambertin é um vinho para ser degustado com menos tempo de garrafa, masculino, potente. E o Griotte? “A rainha de Chambertin?”, pergunta Bertrand, quando percebe meus olhos marejados pela emoção de degustar um vinho que arrepia a pele e não termina na boca. Sem voz, concordo com a cabeça, imortalizando na minha memória cada nuance de um vinho inesquecível, com um futuro glorioso. É a estrela dos Dugat, o que tem rendido problemas. “Meu pai participou de uma degustação na Ásia com o Allen Meadows em que um vinho era falsificado.”

O passeio está quase no fim: há um barril de Marc de Bourgogne, feito para um grande charuto, talvez um Hoyo de Monterrey Double Corona. Os vinhos são feitos para a guarda, com dez, quinze, vinte anos, abrem todas as camadas que um pinot pode proporcionar, apesar de já mostrarem ao que vieram desde cedo. Claude Dugat pode descansar e viajar pelo mundo em paz. Os filhos comandam hoje um dos melhores Domaines da Bourgogne. Se um dia encontrar uma garrafa com o rótulo Claude Dugat, em algum lugar do planeta, não hesite: compre-a. E lembre-se de que na equação da vida é essencial ter o mínimo de preconceitos, a maneira mais tola de viver a vida.

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