Supertoscanos, os vinhos fora da lei

Por Gerson Lopes

     “Não existe boa degustação com vinhos sem os amigos juntos” (Lucki)

Amigos de longa data de uma confraria regularmente se juntam para brindarem a vida e a amizade que os une em volta de uma boa mesa e grandes vinhos. Ser convidado para participar de alguns destes encontros é “danado de bão, sô!”, como diz o mineiro. Naqueles que estive presente sempre pensava: será que o próximo pode ser tão brilhante quanto? O que faltava?

 

Controvérsias à parte, uma música de fundo, leve e suave, com piano e violino poderia, sim, compor bem aquele ambiente festivo, pois afinal não se tratava de uma prova entre profissionais, mas de pessoas que amam um bom vinho. E nesta noite fomos presenteados com acordes que casaram muito bem com a bebida de Baco. Afinal, “o vinho e a música sempre foram para mim um magnífico saca-rolhas”, diz Anton Tchekhov, médico, dramaturgo e escritor russo.

Falando em saca-rolhas não há como esquecer um pequeno texto de autor desconhecido (eu, pelo menos não consegui identificar) que bombou como mensagem de Ano Novo nas redes sociais: “Mete o saca-rolhas”. O final deste é bem apropriado ao que pensam estes amigos confrades: “Não deixe os bons vinhos para amanhã. Não espere para agir se a hora é agora e não desperdice seu tempo acreditando que amanhã dá para fazer diferente. O que a gente tem é hoje. Então, mete o saca-rolha e siga em frente!!!!

Obedientes à mensagem, a reunião iniciou com dois grandes borbulhas nobres – Dom Pérignon 1998 (Vinous 93/100) e Cristal 2004 (Vinous 98+/100). Como bem colocou Kristaps Karklins, um dos grandes aficionados por esta bebida – “Não há duas marcas de Champagne tão famosas como Dom Pérignon e Cristal”. Dom Pérignon 1998, assemblage de 40% Chardonnay, 35% Pinot Noir e 25% Pinot Meunier, mostrou cor amarelo já dourado, brilhante, bolhinhas finas e persistentes, tostado, flores brancas e frutos brancos já maduros ao nariz, nozes e na boca tinha o frescor que equilibrava maravilhosamente o seu lado macio de cremosidade. Belo Champagne em momento ótimo de prova. O Cristal 2004, como bem escreveu Karklins ao prová-lo (garrafa magnum) evidenciou bem seus “aromas secundários de maçã cozida, brioche e frutas cristalizadas. Equilíbrio maravilhoso, especiarias asiáticas e gengibre”. Maravilhoso agora, porém ainda tem longa guarda, mesmo vindo de uma safra quente.

A degustação foi dividida em cinco rodadas e inicialmente proponho dividir com vocês aquela que se deu em torno de três dos maiores supertoscanos: Sassicaia, Ornellaia e Solaia, todos 1990, fantástica safra praticamente em todas as regiões o mundo, por isso denominamos esta bateria de “Os AIAS na safra mundial”.

Rompendo com as regras de denominação de origem, surge o Sassicaia (final de 60, início de 70) que em poucos anos se torna uma lenda no mundo vinho. Este fora da lei passa a ter a paternidade de muitos supertoscanos que virão a seguir. Primeiramente enquadrados como “Vino da Tavola”, ganham fama e recebem denominação IGT – Indicazione Geografica Tipica. “Quem sai na frente bebe água limpa”, diz um ditado popular, daí o Sassicaia ter ganho muita notoriedade e com isso uma denominação de origem específica, a de Bolgheri Sassicaia.

Em muitos textos que publico busco uma bibliografia extensa, porém nada mais preciso que a escrita de meu amigo paulista Nelson Pereira em seu blog “Vinho Sem Segredo” ( vinhosemsegredo.wordpress.com ). A respeito dos três supertoscanos afirma: “O assemblage do Sassicaia é praticamente Cabernet Sauvignon (85%) com uma pequena porcentagem de Cabernet Franc (15%). É amadurecido em barricas de carvalho francês por 24 meses. Um modelo clássico bordalês de margem esquerda. Como todo italiano, seus taninos e sua acidez são firmes e presentes na juventude. Projetado como vinho de guarda, é um tanto difícil sua apreciação quando jovem. Contudo, envelhece maravilhosamente por décadas, de acordo com a potência da safra. Ornellaia é um típico corte bordalês de Bolgheri. O vinho atinge seu apogeu com toques e nuances de belos Bordeaux. Já o Solaia, tem a espinha dorsal baseada na Cabernet Sauvignon, mas com o charme da Toscana onde 20% de Sangiovese entram no blend”.

Antinori Solaia 1990 (Vinous 94/100) – apesar de em muitas degustações de supertoscanos que participei o Solaia sempre se mostrar superior aos demais, nesta foi o menos preferido dos três. Quem o tiver adegado que o prove agora, pois a meu ver não tem nada ganhar com a guarda. Faltava extrato para equilibrar a acidez.

Tenuta San Guido Sassicaia 1990 (Wine Advocate 93/100) – aqui havia um belo equilíbrio entre o lado da maciez (álcool e açúcar residual) e o da dureza (acidez e taninos), além de notas ainda de frutos negros, especiarias e toques minerais. Porém, ainda distante da grandiosidade de um g Bordeaux ’90 top da margem esquerda, apesar da comparação não ser correta. Também acho que deva ser provado agora, sem pressa, entretanto.

Tenuta dell’Ornellaia Ornellaia 1990 (Vinous 94/100) – disparado o melhor deles. O Ornellaia ‘90 é uma mescla de 82% Cabernet Sauvignon, 14% Merlot e 4% Cabernet Franc, um corte bordalês clássico. O vinho passou 15 meses em barricas de carvalho francês, 40% novas. Aromas complexos e expressivos, que se repetiram em boca. Dadivoso, elegante do início ao fim da prova. Prove-o em um momento especial de sua vida, caso o tenha, porém nunca esqueça da mensagem no “mete o saca-rolhas”

Gerson Lopes – criador da Wine & Joy em Belo Horizonte/MG.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close
INSTAGRAM
Latest Travel Blog
Close

Pisando em Uvas

Explore o universo do Vinho

© 2019 Pisando Em Uvas. Desenvolvido por DForte
Close