No quintal dos Lafarge

Escrever a história da Bourgogne e não falar falar dos Lafarge é como falar da história do Brasil sem escrever uma linha sobre Getúlio Vargas. Eles já foram prefeitos de Volnay, responsáveis pelo Hospices de Beaune e desde 1934 engarrafam parte de sua produção com seu rótulo, o que então era inusual. Com 11,6 hectares de produção, com boa parte voltada para Volnay, o domaine é uma referência entre os Bourgognes femininos e longevos.

Antes de ir para a cave com séculos de história, Frédéric Lafarge, filho de Michel, marido de Chantal (que hoje administra o domaine e fotografa as fotos postadas do Domaine no instagram) e pai de Clothilde (que estagia nos Estados Unidos), nos leva para o seu quintal. Ali 11 galinhas passeiam por pouco mais de 0,5 hectare de vinhedos de Clos du Château des Ducs, monopólio dos Lafarge. “Além de proteger de pragas, elas rendem ovos premier cru”, brinca Frédéric. Com uvas de mais de 40 anos, esse vinhedo é mais quente que outros da cidade e produz vinhos longevos que rivalizam com o Clos de Chênes, outro premier cru reputado em suas mãos.

O trabalho nos vinhedos é meticuloso e tem sido dedicado à biodinâmica, que tem contribuído para videiras com raízes mais firmes e profundas e um solo mais fértil. No quintal, há um outro detalhe: destaca-se um par de videiras a dois metros de onde se iniciam as fileiras, quase encostado ao piso de concreto que leva até onde se engarrafam os vinhos. “São nossas videiras que produzem as uvas que comemos.”

Um premier cru de quintal com 0,57 hectares desde 1900 nas mãos dos Lafarges

 

Ao entrarmos no domaine, seguimos até um corredor onde ingressamos em um elevador que nos levará um andar abaixo, em uma cave do século XIII. É lá que repousam centenas de barris de vinhos em que os Lafarge vinificam após desengaço completo e o uso de madeira é limitado, chegando a no máximo 15% nos premiers crus. “Não queremos o gosto de madeira, queremos taninos suaves, queremos a transparência do terroir, a sutileza da pinot noir.”

As últimas safras têm sido duras para os Lafarge. As perdas superaram 50% em Volnay, o que os levou a investir também em Beaujolais, sob o nome Chantal-Lafarge, mas lá também perderam bastante na safra desse ano. “A briga pelos nossos vinhos aumentou”, diz Chantal.

Partimos para a degustação. O Meursault não entusiasma, assim como o Bourgogne Passetoutgrains, mas a partir daí o concerto começa a ganhar um outro tom. O Beaune Les Aigrots é o oposto do mais mineral Grèves, ambos para se comprar de caixa. O Pommard Pézérolles é um Pommard mais mineral, mais suave que os feitos por Courcel ou Épeneaux. O Volnay Village é um primor de Village, elegante e feminino.

O Vendanges Selectionés vem do centro da apelação, rodeado de premiers crus, é o grande segredo aqui, com uma capacidade grande também de envelhecimento, comprovado pelo excelente 2002 provado em Bordeaux dias depois. O Mitans é um premier cru mais delicado que os outros três: o Caillerets (último vinhedo comprado pela família em 2000), com muita fruta, o Clos de Ducs tem um aroma floral delicado e taninos suaves; o Clos de Chênes é mais tânico, mineral, precisa de mais tempo.

Os vinhos dos Lafarge ganham muito com o envelhecimento. “As pessoas não têm paciência muitas vezes”, diz Fréderic sacando a rolha de um Clos de Ducs 2008, ainda na juventude, mas com um futuro bastante promissor. Ele enxerga que uma nova geração faz vinhos muito bons, em Volnay, ele destaca Thomas Bouley. No caso dos Lafarge, Clothilde Lafarge irá assumir nos próximos anos o comando do Domaine. Nesse momento, ela está nos Estados Unidos, onde estagia e vê novas técnicas de vinificação, enquanto pai e mãe cuidam dos vinhedos na Bourgogne e em Beaujolais, onde a terra está muito mais barata. A história dos Lafarge deverá continuar sendo escrita com sucesso.

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